sábado, 29 de janeiro de 2011

Um rosto pintado de miséria

Por Fabiano Régis




Às sete horas da manhã de um dia desses, eu estava parado no sinal de três tempos, num cruzamento de duas avenidas movimentadas, quando ouvi a voz do meu filho de cinco anos, em tom de espanto: “Olha o palhaço!” Uma silhueta trôpega entre os carros vinha em nossa direção, por um instante pensei que fosse um entregador de panfletos, anunciando a venda de mais um prédio de apartamentos. Mas ao aproximar-se, eu pude ver a cara pintada, camisa colorida, suspensório, calça de bolinhas e sapatos pontiagudos com meias de duas cores.
Era um palhaço.
Rapidamente baixei o vidro do carro doido para escutar a pilhéria. Sem destreza, o artista estendeu a mão e fez soar uma súplica: “Me dê um real?!” A cena não arrancou sorrisos, mas serviu para lembrar, que, o “GRAND CIRCUS BRASIL”, continua sem lona; A fachada permanece com chapa de lata de querosene, onde ler-se em letras garrafais na horizontal “GRANDE CIRCOS”, e na vertical, um buraco redondo com um indicativo: “BILETERIA”. A cerca de arame farpado em volta do pano de roda, está enferrujada e cheia de sacolas que o vento trouxe da imundice das ruas, mas ainda serve para evitar a entrada de incautos sem ingresso. Dois paus compridos no centro sustentam o trapézio e o serviço de alto-falante. O poleiro (arquibancada), amarrado com corda de piaçava, é garantia de segurança e conforto na hora de ver a arte circense num picadeiro de chão batido. Para fazer a divulgação do espetáculo, um palhaço (que não é o principal), sai pelas ruas esburacadas com esgoto a céu aberto, a perguntar, e o povo a responder: ”Hoje tem espetáculo? Tem sim senhor! Às oito horas da noite? Tem sim senhor! E o palhaço o que é? É ladrão de mulher... Olha o palhaço na rua! É ladrão de perua...” O feitio das apresentações continua dividido em duas partes: Na primeira parte, as rumbeiras seminuas endoidam os marmanjos com os seus requebrados e na segunda parte, o drama arranca lágrimas.
O sinal abriu, ouço buzinas. O burburinho azucrinante da cidade interrompe o silêncio das minhas lembranças e, pelo retrovisor, vejo a miséria vestida de palhaço sair de cena, numa avenida qualquer deste “Brasil mambembe”.

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