quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Artigo

Vira-latas

Marcos Bezerra, do Novo Jornal

Tubarão, Rex, Baleia, Jorli, Jupira, Rompe Ferro e outros da raça estão ameaçados de vida no sertão potiguar. Tomei ciência do assunto por tio Bertino, mal botei os pés em Janduís. A cidade faz parte do meu roteiro de férias que, invariavelmente, não vai além das divisas do Rio Grande do Norte. Culpa da grana, que ergue e destrói coisas belas, mas que, no meu caso, não tem a força da letra que Caetano canta. Tivesse e eu trataria de dar outro destino a Jorli. Foi o nome que escolhi para batizar um cachorro vira-latas, habitante, em meio a tantos outros, das ruas da pequena cidade do médio-oeste potiguar. E por que escolhi Jorli? Pela distinção do personagem, maior e mais velho que a média e portador, além de sarnas e carrapatos, de uma espécie de papada, que lhe conferia um ar um pouco mais sisudo. Deve ser alguma doença da idade, mas preferi definir que o bicho tinha uma juba para nomeá-lo, em seguida, soberano deste reinado sem honras e com as horas contadas para acabar.



Consta que a sexta-feira 13 era a data marcada para a passagem da carrocinha em Janduís. Coisa nova na cidade, onde a maioria das famílias cria gatos ou cães, ou os dois juntos. Na casa da minha prima Bibia, por exemplo, tem um cachorro e 14 gatos. Sheik, o cachorro, é o xodó da casa, os bichanos são filhos de uma gata que ela trouxe de Mossoró para combater uma peste de ratos. Coração bom que é não teve coragem de soltar nenhum no mato. “Mais vale o gato do que o rato, não é?”, questiona justificando a bicharada.



Não sei se os homens da carrocinha vão investir no controle da população de gatos, ou apenas os cães estão na berlinda. Os moradores foram avisados para prender os bichos; os que estiverem na rua serão recolhidos e sacrificados. Não ficou claro como e onde isso ocorrerá, já que a cidade não tem um centro de controle de zoonoses. Certo é que, de tantos, os cães vadios viraram um problema de saúde pública e a população, apesar do gosto pelos animais, parece ter entendido que alguma medida precisa ser tomada.



Em volta da praça, onde duas lanchonetes respondem por todo o movimento noturno da quinta-feira na cidade, quatro vira-latas dão plantão perto da gente à espera de restos de comida. Escolho o candidato certo à ação da carrocinha... “Jorli, hoje você vai ter um tratamento digno.”



Uma coxa de frango, “Pai, você não precisa tirar a carne!”, reclama meu companheiro de viagem; pedaços de carne e, para finalizar, outro bom pedaço de frango que desistimos de comer – eu, meu filho e um primo – em benefício do velho cão. Deixamos o lugar com o animal sentado sobre as patas traseiras e o mesmo olhar pidão. Tentei saber depois, mas não tive notícias da carrocinha. Para Jorli, pedi um bom lugar no céu dos cachorros.

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