domingo, 30 de setembro de 2012

Poesia Nordestina

No monturo da cozinha
Donzílio Luiz de Oliveira


Em um monturo eu cheguei
Às cinco horas da tarde
Hora que o sol já não arde
Numa pedra me sentei
Em seguida aproveitei
A frieza da tardinha
Observei o que tinha
E vou descrever agora
O que vi jogado fora
No monturo da cozinha

Vi um pano de calção
Uma banda de vestido
Uns retalhos de tecido
A ponta de um cinturão
Penas de pombo e canção
De juriti e rolinha
Junto um muçambê que tinha
Se criado no monturo
Tudo coisa sem futuro
No monturo da cozinha

Perto um molambo fumaça
Coisa que é muito comum
Uns talos de jerimum
Umas cuias de cabaça
A menos de uma braça
Vi uns carretéis sem linha
Vi uns caroços de pinha
Casca de jaca e de coco
Maravalha, vara e toco
No monturo da cozinha

Vi um pedaço de espeto
Um embrulho de cordão
Umas cascas de feijão
Um monte de garaveto
Uma moita de chá preto
Onde uma franga se aninha
Para se tornar galinha
Ainda a primeira vez
E só põe se tiver indez
No monturo da cozinha

Uma banda de bisaco
De carregar munição
Um caco de botijão
Que foi de fazer tabaco
A molambeira de um saco
Desses que vem com farinha
Papel de embrulhar balinha
Caneca de tirar leite
Caco de fazer azeite
No monturo da cozinha

Vi uns retraços de palha
Um armador de mofumbo
Cabaça de guardar chumbo
Uma esteira de cangalha
O cabo de uma navalha
Um pedaço de bainha
Os trapos de uma calcinha
As tiras de uma cueca
Umas penas de peteca
No monturo da cozinha

Tinha folhas de coqueiro
Caco de quenga e catemba
Retraços de arupemba
E facho de marmeleiro
Mais pra beira do terreiro
Havia um pé de jarrinha
Conservado pra mezinha
Pra curar dor de garganta
Por isso existe essa planta
No monturo da cozinha

Bem amarrado e seguro
Vi um molho de tição
Da fogueira de São João
Guardado em cima de um muro
Para as três noites de escuro
Que o padre disse que vinha
A ideia não é minha
Já vem dos tempos passados
Poe isto eles são guardados
No monturo da cozinha

Taco de xícara e de prato
Casca de manga e caroço
Couro seco, canga de osso
Que os cães trazem do mato
Resto de bota e sapato
Pé de batata rainha
Onde a criação caminha
Tem taco de corda e couro
Chifre de bode e de touro
No monturo da cozinha

Vi caixa de papelão
Caco de frasco e garrafa
Banda de pente e marrafa
Vi carrapeta e pião
Vi caçamba, vi caixão
E uns tijolos de bandinha
Onde se senta a vizinha
Pra falar da vida alheia
Nas noites de lua cheia
No monturo da cozinha

É lá que são despejados
As relíquias da infância
Trastes de pouca importância
E objetos quebrados
Diversos troços usados
Que tiram da camarinha
Coisas que o tempo apadrinha
Fogo queima, terra gasta
Lugar onde o jegue pasta
No monturo da cozinha

Melão-são-caetano entrança
Por sobre a carrapateira
Moita de erva-cidreira
Onde a galinha descansa
Marca de pé de criança
Onde o bebê engatinha
Latas de doce e sardinha
Papel de embrulho e almaço
De tudo existe um pedaço
No monturo da cozinha


Publicado no Livro Ranchos & Garranchos - 1ª Edição 1996




Nenhum comentário:

Postar um comentário