quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Palavra por palavra


Ressignificados

Marcos Bezerra, do Novo Jornal


Conta-me o Jovem, colega de trabalho e motorista de pouca rodagem, que a volta para casa na noite de quinta-feira foi assemelhada a um filme de terror. Sem energia e com chuva. Escapei da chuva, que parece ter ficado mais para os lados da valorosa Zona Norte, mas não do blecaute. É estranho dirigir numa cidade às escuras. Nem mesmo vale a pena a vantagem dos semáforos apagados e você na preferencial. Há suspense em cada cruzamento, com todo mundo tentando chegar em casa ao mesmo tempo. 
Busquei, no céu, as estrelas que a iluminação da cidade grande esconde, mas o tempo nublado não ajudou. Nem no principado de Emaús, de frente para meu pedaço de Mata Atlântica. Quando o tempo limpou percebi que era a lua quem apagava as estrelas. Uma floresta prateada na janela de casa... Mas a preocupação era com o desconforto da falta de energia.
Pagamos a conta da modernidade. Como isso ocorre só de vez em quando, já não guardamos na gaveta uma caixa de velas para vencer a escuridão. Muito menos uma lamparina, tão comum na infância apenas remediada da rua Padre Sebastião, em Caicó. 
Como os apagões de antigamente eram diferentes! Viravam um momento especial de conversa, em família ou com os amigos contando as estrelas. Desta feita ficamos sem a muleta do telefone celular, que só fazia ligações de emergência e tinha mais serventia como lanterna. Também não tinha televisão e, o pior dos mundos, nada de internet. 
Foi uma noite mal dormida que o tal Operador Nacional do Sistema Elétrico fica me devendo. A muriçoca que, livre do ventilador de teto, tirava-me o sono também me deve um pouco de sangue. 
Na conta dos devedores ainda vai o Exército, que tem conseguido transformar a simples  construção de uma estrada marginal num transtorno sem tamanho. Não basta construir um muro de seus três metros de altura tampando a vista da Mata do Catre; tem que impedir o acesso à BR para quem pega a bendita marginal. Depois, fazer um recapeamento nas pistas principais no horário de pico. E todos presos no congestionamento que, num efeito cascata, espalhou-se por toda a cidade. 
Para dias estranhos saí de casa com uma camisa velhinha, produção única do artista plástico mossoroense Ney Morais e que há muito tempo não usava. A mulher perguntou se eu estava ressignificando as roupas. Entendi que sim e fiquei bem. Fiquei melhor ainda ao lembrar que não vou ter mais que ver e escutar candidatos prometendo acabar com todos os nossos males. O ressignificado da paz.

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