domingo, 21 de novembro de 2010

Crônica

O especialista.

Era um grupo de oito lenhadores. Na verdade agricultores, desenvolvendo uma atividade provisória na entressafra do feijão. Aliás, o homem do campo é obrigado a se desdobrar numa série de tarefas complementares para garantir a papa dos meninos. Eles tinham ajustado com o dono da fazenda Marcolino, Seu Lino Pio, para fazer a broca do mato na propriedade. Estava no tempo do preparo das terras para o plantio, visto que o céu daquele janeiro de 1987 já se mostrava com cara de inverno. Em troca do serviço, poderiam vender a lenha para as caieiras da região.
A fazenda Marcolino ficava metida nos cafundós-do-judas, embrenhada no meio das juremas. Havia somente a casa grande, na qual vivia o proprietário com a esposa e dois empregados.
Os trabalhadores foram arranchados à sombra de uma enorme quixabeira bem longe do casarão. O trajeto dava umas três léguas bem medidas.
Na segunda semana de estância, o pessoal foi surpreendido pela visita de um dos criados da fazenda. Chegou a cavalo. Mostrava-se apressado. Nem apeou. Veio preveni-los da presença de uma onça que estava matando e comendo o gado ali pelos arredores da lenheira. Teria encontrado várias reses esquartejadas. Só restaram as cabeças.
Alguns homens do grupo ficaram preocupados, principalmente Xoxó e Luiz de Romão. Tanto que ficaram a tarde toda encoivarando garranchos e improvisando fogueiras para espantar a suposta fera. E olhe que os dois eram inimigos jurados. Esqueceram a rixa e, em dois tempos, estavam cúmplices contra o perigo iminente. Outros não deram importância à notícia. Onça por essas bandas? Isso é conversa pra boi dormir.
Durante três noites o rancho esteve sob proteção de intenso fogaréu.
Na madrugada seguinte, quando todos dormiam, dois rapazes da turma, que não botaram muita fé nas palavras do capataz, prepararam, em surdina, uma presepada para amedrontar ainda mais os colegas. Com os dedos unidos em forma de pata eles imprimiram dezenas de marcas no chão, pelas imediações de onde queimaram as fogueiras, arremedando as pegadas do feroz animal. Em seguida chamaram os outros para atestar que o bicho havia rondado o lugar.
O alvoroço dos homens foi imediato. Se não fosse o fogo, dizia Xoxó, num tinha mais ninguém vivo. Começaram a ajuntar os troços para darem no pé. Os meninos confessaram, em gargalhadas, o ato astucioso. Fomos nós que fizemos os rastros! Ninguém acreditou. Suspenderam o trabalho e foram para a casa da fazenda esperar o caminhão da lenha, que viria naquele mesmo dia.
Perto do meio dia, o caminhão chegou.  O motorista, que também era o comprador da lenha, estranhou ver todos na sede da fazenda. Os homens lhe contaram o que houve. A par do acontecido, ele tentou desvanecê-los da idéia de irem embora. Conseguiu. A duras penas. Em seguida foi ver os rastros. Dava pra ver que se divertia com a história. Prometeu trazer alguém que entendesse do assunto. No sertão há especialistas pra tudo no mundo: curandeiro, benzedeiro, rezador especializado em coriza, arroto choco, bucho inchado e outras mazelas.
O homem que ele trouxe no dia seguinte, por exemplo, era perito em rastrear animais. Muito bom, sabe o tipo de cobra pelo modo como ela se arrasta, garantiu. O rastreador experimentado agachou-se junto aos arremedos das pegadas felinas, observado pelo grupo de lenheiros apreensivos. Analisou uma aqui, outra mais detidamente ali, farejou o solo, ao modo dos cães, ergueu-se sisudo e proferiu a sentença:
__ É uma onçinha vermelha! Tadinha, a bichinha tá mancando de uma mão!




                                                                                                  Zenóbio Oliveira





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