segunda-feira, 11 de julho de 2016

Poesia

DECORO
Zenóbio Oliveira

Eu não pertenço ao reino da vontade,
Nem tenho a ilusão de frequentá-lo,
Mas, mesmo sujeito à necessidade,
Não me conforta a estirpe de vassalo.

Não detenho a pejada liberdade,
Para rogar ao rei o nobre halo,
E como seguidor da hombridade,
Não ponho a honra a troco de regalo.

Que a conquista daquilo que anseio,
Não seja à custa do suor alheio,
Tampouco resultado de injustiça.

Que a virtude me seja um benefício,
Pois que não há ao homem maior vício,
Que a traição em nome da cobiça.














sábado, 23 de abril de 2016



Sertanejando

Minha felicidade é verde como a esperança
Zenóbio Oliveira das Aguilhadas

Hoje eu fui contemplar o sertão. Ver de perto o metamorfismo desse ambiente tão vicissitudinário. A casca pálida que descorava a caatinga se esfolou perante o matiz que se estampa agora, trazido pela magia da chuva, como tivesse o campo bebido gotas de arco íris.
Ainda me encanto com o orvalho suando as folhas do marmeleiro. Ah, quanto me faz bem o cheiro de mato molhado, o rumor dos córregos, as pequeninas fontes borbulhantes na beirada dos caminhos, como flores d’água, me sugerindo, desde menino, ser o solo chorando as lágrimas da felicidade.
Tenho a alma recompensada toda vez que avisto o sertanejo, ombreando a enxada, atravessar as poças pelo caminho do roçado, com a mesma fé de quem atravessou o mar em busca da terra prometida.
Sempre me fascinou as feições dos janeiros milagrosos, a generosidade do aguaceiro dos marços botando vida nas sangrias dos açudes.
Como me apraz a visão lilás da floração do feijoeiro, como me conforta a paisagem de uma lavoura bageada enchendo as mãos do homem do campo.
Fico contente ao ver essa fartura estendida em esteiras pelos terreiros de abril.
O que é a alegria senão um punhado de festa na simplicidade dos bichos, e no dueto harmonioso do vento com as árvores?
Diante desse cenário esverdeado do sertão compreendo que a concupiscência emparedou-me o regalo na ilusão de concreto da cidade grande, porém aqui parado, pés desnudados sobre a lama dessas veredas, posso enxergar todos os atributos do meu contentamento e compreender que minha felicidade mora neste chão sublime e que ainda me espera adormecida sob a sombra dessas catingueiras.

Música nordestina

MAIO 68
(Raimundo Sodré - Jorge Portugal)

A última vez
Em que vi esperança foi
Na mesma esquina
Em que me perdi
Havia uma lacrimogênica ilusão
Palavras de ordem Sob a calça Lee.
O estado de graça
De tantas contradições
Nas barbas de Marx ou Khrisnamurti
No livro sagrado
De todas as pichações,
A voz de John Lennon
Na canção de Vladimir
Maio meia oito
Meia vida meio torta
Meio natureza morta
Pode ser... (bis)
Meia liberdade (Nosso sonho) que se solta
Mas não volta
Na meia volta volver
Havia vestígios de hippies e Cohn Bendis
Os punhos cerrados violando o ar
Tropicaetanos, excelsos, travassos, gizs
Em cada cabeça um mundo a mudar
Se somos a soma de tantas subtrações
Outras gerações vão nos multiplicar
O saldo é a semente plantada nos corações, ações
De outras cabeças que possam sonhar.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

DÉCIMAS



O sertanejo amola a enxada,
Bate estaca na cerca, troca arame,
Faz o broque da malva e do velame,
Ara as terras da serra e da baixada,
Quando a nuvem destampa a invernada,
Corta a terra, abre cova, põe o grão,
E espera, do céu, a redenção,
E da terra, a fartura pro seu lar,
O inverno chegou para animar
O caboclo sofrido do sertão.


Em mil regos água se derrama,
Rebentando nas pedras do serrote,
Bezerro pelo prado dá pinote,
Galinha cacareja, cisca a grama,
Marmeleiro ligeiro pega rama,
Passarada entoa uma canção,
Mané Besta na ponta dum mourão,
Faz firula por não saber cantar,
O inverno chegou para animar,
O caboclo sofrido do sertão.

Papa-sebo bicora uma saúva,
Berra um bode ao longe, a vaca muge,
A ovelha se farta na babuge,
Abrem flores nas “Toucas de Viúva,”
Natureza celebra quando a chuva,
Se despenca do céu e cai no chão,
Cada vivo renasce numa ação,
Que o milagre da chuva fez brotar,
O inverno chegou para animar,
O caboclo sofrido do sertão.

RIMANDO

Invernia pueril
Zenóbio Oliveira

A nuvem no céu se move,
E abundante goteja,
No chão do meu eu criança,
Nos canteiros da lembrança,
Saudade é flor que viceja,
Todas as vezes que chove.

Vejo as manhãs borrifadas,
Do lugarejo pacato,
Sinto o cheiro bom do mato,
Do sertão das Aguilhadas...

Em revoltosos balanços,
De correntes opulentas,
O rio abaixo se expande,
Eu nado na Pedra Grande,
Por essas águas barrentas,
Rodopiando em remansos.

No imo das enxurradas,
Meu lembramento mergulha,
E minha alma é borbulha,
Do rio das Aguilhadas...

Toda campina se inunda,
Com o brilho verde do pasto,
Que vai além do que vejo,
Cada atalho sertanejo,
Tem a impressão de um rasto,
Dum pé que na lama afunda.

Minhas infantes passadas,
Neste gentil chão, impressas,
São marcações às avessas,
Na alma das Aguilhadas...

A minha vida é viúva,
Destes momentos felizes,
Que minha saudade encerra,
Minh ’alma é feita de terra,
E tem profundas raízes,
Com esperanças de chuva.

Pelas férteis semeadas,
Pululam tempos risonhos,
Como pululam meus sonhos,
Nas roças das Aguilhadas.