Ô bicho feio!
Zenóbio Oliveira
O garoto chorava baldes. E era aquele choro
lamentoso, sonorizado, de uma plangência trepidante.
Perguntei-lhe o motivo do pranto.
__ A menina me chamou de bicho feio!
A expressão não saiu assim de carreirinha,
lógico, veio como um lamento soluçado, ruim de entender.
Até pensei argumentar-lhe a cerca da
irrelevância da beleza. Mas, como persuadir uma criaturinha de tão tenra idade
com historinhas de que “beleza não põe mesa”, “não é fundamental” e que importante
mesmo é aquela da alma? Como? Se numa sociedade extremamente voltada à cultura
do belo, nem os longevos dão fé a essa conversa fiada? Melhor convencer ateu da
existência de Deus.
Poderia lhe dizer também que a beleza é
relativa, que alguém, em algum lugar desse mundo lhe acha bonito, pelo menos
sua mãe. O que, alem de ser verdade, ainda lhe serviria de lenitivo perante
essa injustiça da natureza.
Nada disse.
Apenas observei o menino, lembrando
ensimesmado, de quantas vezes fui chamado de bicho feio. Nunca chorei, é certo,
mas talvez por ter a certeza absoluta da minha condição desfavorável. A
formosura em mim sempre esteve ausente, mas também nunca foi um obstáculo
determinante na minha trajetória. Sempre fui chamado à vera nessa vida pra
fazer valer outros atributos mais substanciosos, por assim dizer.
A dor moral, o ressentimento, a angústia, a
tristeza, o rancor, ou qualquer outro tipo de mal que lhe atribule agora, o
tempo há de aquietar.
De resto, torço para que um dia alguém, alem
de sua mãe, lhe ache belo, que a vida lhe conceda toda a sabedoria para
conviver com essa e outras circunstancias. Talvez compreenda, por exemplo, que
definitivamente não é o modelo do prato, que tempera o feijão.
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