O
palhaço do cruzamento.
Zenóbio
Oliveira
Concentrado
no semáforo esperando o sinal ficar verde, nem dei fé daquele palhaço esmolambado
ao lado do carro, com cara de choro, toda pintada e feia. Esperei a anedota, o
gracejo, mas nenhuma sílaba, nenhum trejeito cômico, apenas a mão estendida,
num gesto de súplica, a implorar minha piedade.
Longe
da magia das luzes e das cores e sem a ilusão do picadeiro. No espetáculo da
sobrevivência, o palco da rua não oferece o abrigo da lona, mas a causticidade
de um sol a prumo ardendo no couro a quarenta graus. O corpo já lhe nega forças
para as cabriolas e piruetas e as desgraças da vida roubaram-lhe as graças do
rosto, hoje marcado pelas carquilhas, que nem a maquiagem consegue mais esconder.
Não tem a alegria dos palhaços das minhas lembranças, não provoca o riso, mas causa
a compaixão.
Chamam-no
de “Queima-roda”, cognome esdrúxulo, alcunha humilhante, denotativo de
baitolagem, chacota que a modernidade apelidou de bullyling.
Há dias
não vejo o palhaço esmolando entre os carros nas intermitências do sinal
vermelho. Soube que estava hospitalizado, vítima de assalto, ferido por
adolescentes, como os que alegrou em seus tempos áureos, mas ignorantes da
fascinação e do encanto que envolvem esse artista circense.
Sempre
dediquei minha percepção semiológica ao signo palhaço como uma representação
fiel da alegria e do contentamento. Hoje me assusto quando esse mesmo signo
remete a imaginação ao significado de condolência e sofrimento, manifestados no
palhaço triste daquele cruzamento. Uma generalização injusta, a contradizer a
história de que a primeira impressão é a que fica.
A
verdade é que esta situação comove para alem do embate semiótico das minhas
concepções, ensinando que alegria e tristeza nos são comuns e que até para os
palhaços a vida reserva o tempo de fazer rir e de fazer chorar.
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