Naquele tempo.
Zenóbio Oliveira
Hoje eu me peguei a lembrar de coisas idas.
Fechei os olhos e vi meu pai, Antonio Oliveira, Chico de Panta, Sotero e meus
tios Tião e Raimundo Carlos tratando de amenidades na prosa vespertina à sombra
da tamarindeira. A abstração lembrançosa me fez vislumbrar aquela cena, pouco e
pouco se materializando em aquarela viva nos recônditos da minha memória.
Aí eu tive saudades daquele pé de tamarinda;
aí eu tive saudades lá das Aguilhadas; aí eu tive saudades de tudo que vivi por
lá.
Como era bom roubar mangas no cercado de Zé
Cardozo, desafiando a vigilância de Chaga Bengo-bengo. Como era divertido fazer
aquela rima capciosa toda vez que Geraldo Genuíno passava naquela carroça azul
e branca, imitar a Siricóia para amuar Cássio de Zé Evaristo, enticar Pissica
de Zé jacinto e rir escondido daquela mancha nos lábios de Severino Boca Preta.
Ah como era bom desafiar a vaca Surubinha de
Pantaleão, na descida do bebedouro, e escapar fedendo de sua valentia.
Como sinto falta disso...
E dos meus domingos, quando ia à feira só pra
comer cocorote na banca de Luzanira e banana casca verde lá em Antonia Boi?
Sinto falta das caronas no Jipe de Zé Cota, de
adormecer as pernas, sentado de mau jeito no varão da Merk Suisse lá de casa e
do sacolejado da carroça de Anélio no galope desembestado do boi Bem Feito.
Queria me admirar de novo ouvindo a conversa
atoleimada de Xoxó sobre o descobrimento do Brasil e dar risadas de suas
presepadas, como aquela de chamar de águias um bando de urubus novos, sob os
comentários sarcásticos de Carlúcio e Alberto de prefeito.
Queria me assustar outra vez com a visagem do
padre na Serra de Abdias e correr na ponta dos pés pra me livrar das oiticicas
mal assombradas na passagem de Mané Zacarias.
Ainda sinto na boca o gosto do café de
trempe, do pirão de sabaru, do chibéu de fuba com água, ainda sinto no paladar
da alma o doce sabor da infância.
Ai quem me dera ter agora o meu pião de
pereiro, meu corrupio de caco de cuia, minha roladeira de lata, meu cavalo de
talo de carnaúba, minha baladeira de câmara de avião.
Queria poder pescar de anzol sentado nas
raízes da oiticica de tio Genésio, jogar mata-sete na correnteza barrenta pra
pegar cangati. Queria poder pastorar arroz espantando os xexéus a poder de
funda, aguar os canteiros de alho toda manhã e depois pular de ponta lá de cima
da Pedra Grande até encarnar o branco dos olhos.
Vocês que me desculpem a falta de conexão nos
fatos expostos, mas é a saudade empurrando lembranças amontoadas pensamento
abaixo, abalroando emoções dormidas, que não podem mais serem catalogadas. São
espécies de recordações anacrônicas salpicando nostalgias pueris nesse meu
coração sertanejo, alegre e plangente a um só tempo, enlevado pelas lembranças
de um passado quase sublime, mas lastimoso pela crua realidade de um presente
de melancolias.
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