Racismo
no Brasil
Zenóbio Oliveira
O
racismo sempre foi um assunto polêmico e permanece ainda veemente nos debates de
nossa sociedade hoje em dia. Levando em consideração o preconceito e a
democracia raciais como pressupostos desse tema podemos aprofundar a discussão
que o envolve. Antes, porem, é preciso compreender alguns acontecimentos que
marcaram a história da formação do povo brasileiro.
O
nosso povo teve sua formação fundamentada em três bases étnicas continentais:
Uma europeia especificada nos portugueses colonizadores, os brancos, outra
africana formada pelos negros trazidos como mão de obra escrava e a dos índios
nativos o nosso território. O processo formativo se deu por entrechoques
classistas, raciais e Inter étnicos principalmente, que envolveram esses três
contingentes – índios, brancos e negros – de forma altamente conflituosa. Todos
esses conflitos, que se configuraram como força motora da história e da
organização social brasileiras culminaram na supremacia dos brancos e consequentemente
na subjugação de índios e negros.
O
intenso contato étnico entre essas três matrizes originais possibilitou a
aculturação e os cruzamentos inter-raciais. Uma espécie de caldeamento que
misturou índios, negros e brancos, desde o período da colonização, e que
resultou numa miscigenação da cultura brasileira. Podemos apontar como
resultado desses cruzamentos inter-raciais o caboclo, mistura do branco com o
índio, o mulato, mistura do branco com o negro, o cafuzo, do negro com o índio
e o mestiço, como resultado descendente desses cruzamentos. A partir daí, dessa
mistura de etnias, é que surgiu a ideia de que o mestiço, produto final desse
caldeamento, fosse o elemento constitutivo da identidade nacional brasileira.
Essa
miscigenação garantiria naturalmente uma unidade para nossa raça, que, composta
por mestiços, teria necessariamente igualdade social e jurídica, a chamada
democracia racial, consolidada no Brasil, na década de 1930.
Mas
a coisa não é bem assim.
E
aqui torno-me concordante com o pensamento do sociólogo Ronaldo Sales, da
Fundação Joaquim Nabuco, quando este diz que a miscigenação não conduz à democracia racial porque, na prática, não
cria uma categoria homogênea de mestiços, mas, sim, uma hierarquia de
subcategorias pela qual quanto mais perto um indivíduo estiver da "matriz
branca", maiores são suas chances de inclusão social.
Em verdade, o mito da democracia racial foi
construído sobre uma integração subordinada, de maneira progressiva pela
abolição da escravatura, pela proclamação da república e pela revolução de 30,
como forma de calar os movimentos de luta negros. Atualmente este mito se
manifesta nas formas de tratamento – não é negro, nem é preto, é afrodescendente.
Nossa sociedade foi conduzida ao regime de cordialidade racial, o chamado
regime assimilacionista, em que o negro vai perdendo sua identidade, já que sua
negritude se dilui na branquização gradativa.
A discriminação racial saiu do geral para o
particular. O racismo passou a ser entendido como preconceito isolado. Mas
basta que um negro ascenda à classe social superior, como o novo emergente, o
preconceito até então latente se manifesta e logo se diz: __ ele não é um de nós!
O negro foi estigmatizado pelo estereótipo racial.
Se for negro é pobre ou marginal. E quando ele sobrepuja essa construção social
perniciosa e se destaca num campo de ação historicamente pertencente ao homem
branco, fatalmente vai ser classificado como “o negrinho que se deu bem na vida”.
E aí eu volto ao Ronaldo Sales, quando
este afirma que “o estereótipo define, assim, um conjunto de expectativas
socialmente estabelecidas e que visam à definição de situações cotidianas. É o
que ele chama de demarcação racial. Isso faz parte de uma competência social. Essa
demarcação até pode ser corrigida, no entanto a correção que se é feita em
relação às pessoas negras, aponta para uma quebra de expectativa individual,
classificando o negro que transpõe o estereótipo como uma exceção: Negro que
venceu, negro bem sucedido... são os negros de alma branca. Para ele, “o
conceito de miscigenação no Brasil é usado para validar o mito da democracia
racial, tirando dos movimentos negros os argumentos para denunciar o racismo.
Mais do que isso: em uma sociedade em que, em tese, não existe raça, racistas
são aqueles que falam do racismo”.
A democracia racial até seria possível, mas como bem
avalia Darcy Ribeiro, “só ocorrerá quando houver democracia social”. Ou há democracia
para todos ou não há para ninguém.
Não é possível haver igualdade perante uma
classificação cultural capaz de hierarquizar as raças em superiores e
inferiores. Se fosse compreendida apenas pelo seu conceito científico teríamos
uma postura democrática verdadeira, porque a ciência define raça como espécie,
categoria, sem, contudo, atribuir-lhe distinções biológicas e/ou morfológicas. Raça
nada mais é do que a condição humana.. Mas em nossa sociedade, infelizmente
para negros, índios, pobres, homossexuais, os valores da nossa cultura não
traduzem integralmente as ideias da nossa ciência.
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