O sorriso da Morte
A morte me sorri. E, desconfio, faz tempo.
Afinal, se para morrer basta estar vivo, quem já anda dentro dos 46, como dizem
os mais antigos, deve ter acumulado algumas vitórias nas batalhas contra a dita
cuja. Não que tenha escapado de alguma doença grave – perder uma visão não
chega a ser risco de morte – nem vivido grandes perigos – tomar banho nas
cheias do Rio Seridó também não tinha nada de perigoso para eu moleque. Muito
embora, eu na meia idade – ela começa aos 40 e vai até os 65 anos – teria um
ataque cardíaco se visse um filho nadando naquelas corredeiras de águas
barrentas.
Essa ideia de que a morte está à espreita vem
mesmo de tentar entender o porquê de ainda estar aqui enquanto outros se foram.
De questionar, vez em quando, quem decide quem vai mais cedo e quem fica para
tocar a obra de Deus. Se bem que, dizem, os mortos também tem seu papel nas
engrenagens do mundo. Rezo pelos meus. Lembro-me deles quase todos os dias e
converso com um ou outro quando estou à espera do sono. Os amigos também entram
na roda de conversa. Este ano se foram dois dos tempos de infância; caicoenses
como eu e com idades parecidas.
Assim, por essa relação tão tranquila,
resolvi sorrir para a morte. Fiz uma primeira tentativa mês passado, depois de
trabalhar uma revista de 28 páginas em quatro dias, além da rotina neste NOVO
JORNAL. Tomei xícaras e mais xícaras de café, dois comprimidos energizantes e
banhos frios para me manter ativo. Tarefa cumprida, corpo cansado e cérebro
ligado, achava que daquela noite, ou madrugada, não ia conseguir passar. Então,
preparei meu melhor sorriso para morrer a melhor das mortes... Dormindo.
Se bem que morrer não dói. Quem garante é meu
irmão Chico. Há uns bons anos, ele deu um passamento e se saiu com essa porque
só lembrava de ter passado mal. Se tivesse ido dessa para melhor, garante, não
teria sentido nada. E fez pouco da morte, para desassossego da mulher, das
filhas e dos irmãos. Como Chico de Ciça é mais velho que Marcos de Ciça, acho
que tenho a quem puxar nas minhas doidices.
Voltando à minha última noite: ajeitei-me na
cama e estudei o sorriso ideal para a passagem. Não podia ser exagerado, para
não parecer que estava zombando dos vivos, mas tinha fazê-los entender quão
sereno eu estava naquele momento. Aí descobri que não se consegue dormir e
sorrir ao mesmo tempo. Os músculos da face relaxam na mesma medida do resto do
corpo. Entre frustrado e contente, adormeci.
Tive outros dias igualmente atribulados, mas
já não achei que teria a melhor das mortes. Para não ser surpreendido por ela,
tento passar sorrindo pela vida.
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