sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Música Nordestina


Propriedade privada
Raimundo Sodré

OUVIR




Eu já disse uma vez e repito,
O que eu disse uma vez está dito,
Minha cabeça é minha, meu camarada,
Toda cabeça é o centro do universo,
Eu sou aminha propriedade privada,
E ninguém pode me privar esse verso.
Minha cabeça é minha e me pertence,
E você não pode me impedir que eu pense,
Qualquer pensamento, oh sim!
Cada cabeça cabe um mundo,
Você se guie seu vagabundo,
E eu, por cá, sigo por mim.
Se a queira pra criar cabelo,
Ou pra usar chapéu,
Isso é problema meu,
Que eu a use pra ter pesadelo,
Ou pra sonhar com o céu,
Isso é problema meu,
Que ela esteja pra cá do sol
Ou pra lá da lua,
Isso é problema meu,
Nem pai de santo, nem psiquiatra,
Cabeça minha quem faz sou eu.
Se a queira pra criar cabelo
Ou pra usar chapéu,
Isso é problema meu,
Que ela esteja pra cá do sol,
Ou pra lá de Vênus,
Isso é problema meu,
Que ela tenha um parafuso de mais,
E um parafuso de menos,
Isso é problema meu,
Nem pra oficina, nem pra guilhotina,
Cabeça minha quem manda sou eu.
Porque afinal, seu moço,
Minha cabeça ta no meu pescoço,
E na no seu.

Palavra por palavra


                            A ESSE TREM DA VIDA
                           Genildo Costa
                                         

À minha Irene,
Eterna musa..!                                                   

 Dada as circunstâncias desses dias de incertezas e mar revolto prossigo na lida. As minhas pretensões,mesmo assim, são  mínimas.Hoje,penso que sou mais de aguardar a disponibilidade de todas as marés, sem muita pressa.De algumas poucas experiências que tive creio que me é suficiente os parcos recursos de que disponho para tocar o trem da vida.
Reconheço que a pressa me persegue e tem sido ingrata.Bem poderia usar do expediente da cordialidade.Tenho esperado que me conceda o tempo  necessário pra que eu possa contemplar as últimas violetas que ainda restam pelo jardim de meus dias.Algumas dessas violetas azuis já não mais existem.Perderam a cor.Saíram de cena,mesmo assim,tenho que suportar o falso brilhante de meus girassóis de estrada.
Tenho medo,sim, de perder de vista a adolescência de minha alma.pois o que ainda me resta  é só esse lirismo que traduz,veementemente,todas as minhas fugas    empreendidas por esses labirintos de dúvidas e encantamentos..Se não deu tempo para alçar vôo mais alto foi porque as advertências não foram tão convincentes para uma outra tomada de rumo.Fui insensato,talvez.
Acredito ter sido,até então,prudente e comedido.Breve para com as minhas devoções.Ingrato,às vezes,quando tivemos que acenar às pressas para quem tanto sonhou com a nossa sincera e eterna aliança.Bem sei que não é tão difícil  refazer todos os planos que foram projetados mesmo com o advento desses tão fatídicos dias.Não poderia ser,então,diferente.
Tão cedo alguém teve que nos deixar saudades para que pudéssemos entender um pouco da transitoriedade desse trem da vida.De tudo que passa.Inexoravelmente.
Dessas andanças de nômade em busca de um lenitivo,prossigo na carruagem desses dias de pressa para reencontrar a mais bela de todas as violetas azuis.Embora tenha que me denunciar para continuar sendo a mesma criatura.O mesmo projeto de tenebrosa lira que resiste a poeira corrosiva de todas as estações.
Esqueci de tentar esquecer,realmente,







                        

Soneto

Teu olhar
Moacyr Costa Ferreira

Querida, quando os teus olhares magos,
No abismo do meu ser com ardor tu lanças,
Qual líquido que sorvo em poucos tragos,
Faz-me a noite luzes e bonanças...

Os teus divinos olhos são dois lagos,
Onde navegam minhas esperanças...
Espelham meus desejos, meus afagos,
E os momentos de fúlgidas lembranças.

Teu olhar é-me o facho da existência,
Que, risonho, me dá brilho e cadência,
Nas calmas horas deste meu sonhar.

Ao sentir-me ante o teu olhar profundo,
Esqueço-me de tudo que há no mundo,
Pois vejo a vida no teu doce olhar!

Crônica




Honestidade na linha
Marcos Bezerra. do Novo Jornal

Quem já viveu a experiência de perder um telefone celular sabe como a coisa funciona. Aconteceu comigo. Você liga diversas vezes e quando a pessoa que achou faz o favor de atender, dá uma de desentendida. Depois você liga outras vezes para descobrir que o aparelho já foi providencialmente desligado. É melhor bloquear, antes que o sortudo, que certamente guarda na cabeça o conceito de que achado não é roubado, comece a usá-lo em ligações particulares. 
Com o fotógrafo Argemiro Lima, meu colega de trabalho aqui no NOVO JORNAL a história foi ainda mais interessante. O malandro atendeu e sapecou do outro lado da linha um “venha aqui para a gente negociar”, como se o aparelho celular tivesse sido vítima de um sequestro e o dono precisasse pagar um resgate. Puto com quem quer levar vantagem em tudo, o velho Argê deu o celular por perdido para não se aborrecer ainda mais. 
Esta semaa meu filho esqueceu um celular novinho numa lan house – uma lojinha modesta na Av. Nilo Peçanha, quase chegando à Praça Cívica. O aparelho, apesar de ser dos mais simples, tem lá sua tela com touch screen e seria um achado para qualquer picareta, mas caiu em mãos de uma pessoa honesta. Foi o que descobri quando liguei e o funcionário da lan house se identificou dizendo que um rapaz, que havia chegado acompanhado de uma mulher, havia esquecido o aparelho numa das mesas. O rapaz em questão tem onze anos e um juizinho que ainda não inclui noções de responsabilidade. 
Tive ainda mais certeza da honestidade do funcionário da lan house quando liguei e disse que ia passar lá para pegar o telefone. O rapaz disse que só entregaria se fosse para o “rapaz” ou para a mulher que tinham ido lá. Questionei qual o nome que tinha aparecido na chamada. E ele – Marcos. Nem painho nem pai... Marcos. Sem jeito, mas me lembrei que tinha fotos no meu celular e resolvi ir lá tentar a sorte. O atendente reconheceu o cliente, mas continuou irredutível. Mostrei uma fatura de plano de saúde com o nome dele, e nada. Aí, liguei para a minha ex-mulher e botei meu filho para conversar com o rapaz, que fez um verdadeiro interrogatório. 
Quando você esteve aqui na lan house? Qual computador usou? O que fez? Com quem você estava? Como era a mulher que você estava? Como vocês chegaram e saíram daqui? E outras perguntas das quais não me lembro... E ainda entregou o aparelho desconfiado. 
Disse que ele levava jeito para ser investigador e elogiei sua honestidade. Ele não pediu nem eu prometi gorjeta, mas, enquanto o computador de meu rapazinho não sair do conserto, é lá que ele vai fazer seus trabalhos escolares. Afinal, não é sempre que encontramos pessoas assim. Do bem.

domingo, 19 de agosto de 2012

Poesia do RN

Casa de matuto
Hélio Crisanto

A casa do matuto tem,
Foice, enxadeco e um pilão,
Tem moinho e um porco no oitão,
Tem rosário, um pote e moquém,
Urupema e uma lata de xerém,
Tem papeiro e um silo de farinha,
Um caritó, um galo com murrinha,
Camiseiro, espingarda e cristaleira,
No alpendre um banquinho de aroeira,
e um fogo de lenha na cozinha.

A casa do matuto tem,
Querosene, trinchete e rabichola,
Tem alguidá e um pinto gogó de sola,
Amolador, rapa-coco e galinheiro,
Um jumento rinchando no terreiro,
Tem fueiro, urinó e um serrote,
Oratório, califon e um chicote,
Carro de boi e um cachorro rabugento,
Tem arnica que cura passamento,
E um peba cevando num caixote.

A casa do matuto tem,
Na passagem da frente uma cancela,
Tem rapé, lamparina e tem gamela,
Chão batido e uma cama de esteira,
O café é servido na chaleira,
Na despensa um garajal de rapadura,
Uma corda de piaba é a mistura,
Num guisado de arroz e fava quente,
Uma tora de pau faz o batente,
E a tramela na porta é fechadura.

A casa do matuto tem,
Uma janela com vista pro curral,
O banheiro é na palhoça e o varal,
esticado com fio de cadeira,
Tem tripé, lavatório e fofuleira,
E um papagaio atrepado na parede,
Tem anzol, jereré, tampo de rede,
Tamborete, gibão, carne de tejo,
Tem o cheiro da mata, água do brejo,
Onde eu deito e mato minha sede.

sábado, 18 de agosto de 2012

Artigo


Oração a São Google
Marcos Bezerra, do Novo Jornal

Estou correndo atrás da bola. Eu e todo mundo que tem um computador com um pouco de memória e internet digna do nome. É inevitável para quem acessa o Google Street View sair acompanhando aquela bolinha rua acima e rua abaixo. Diria mais: é viciante. Mais uma da empresa de serviços online e software dos Estados Unidos, que passou a fazer parte de nossas vidas a ponto de não vivermos mais sem fazer uma busca; uma palavra até então meio em desuso fora do meio policial. Agora não! Viramos buscadores do que já defini como São Google; aquele que a todos salva nos momentos de aperreio. No lugar da reza, uma “googada”. 
Mas, nessa viagem sem sair do lugar, senti falta do carrinho do Google lá no principado de Emaús. Na minha rua ele não passou. Perdeu de registrar um conjunto habitacional popular e um pedaço de Mata Atlântica de encher os olhos e que até poderia ser visto da BR se o carro não tivesse passado na outra via da estrada. Matei a vontade do aplicativo indo atrás das casas onde morei. 
O quitinete da Rua Rafael Fernandes, no Alecrim, continua lá com sua escadinha estreita. A casinha acanhada da Rua José Farache, em Lagoa Seca, ganhou uma mão francessa e pintura salmão; tem um salão de beleza de um lado e um caldo de cana do outro – ia virar freguês. Na Monsenhor Landim, em Lagoa Nova, a casa está mais bonita, mas já não dá para ver a goiabeira no quintal. Confiro de cima... Só telhados. Deve ter sido cortada, como muitas outras aqui da Terra dos Reis Magos. Na Humberto Gama de Carvalho, em Capim Macio, dá para ver  uma rede armada na varanda, mas o ficus que existia na calçada foi arrancado. Estranha essa devoção pelo cimento em detrimento do  verde.
Ainda falta fazer a viagem virtual por Mossoró, onde fixei morada numa dezena de cantos. Lá busquei apenas a casa do meu pequeno; dei um print screen, salvei e mandei para ele por e-mail com o título: a casa de dona Mariquinha no Google. A casa de dona Cícera, a outra avó dele, não aparece no riscado em azul do Street View. Nada de Caicó. Quando muito, fotografias do torrão natal deste beradeiro. E as fotos de satélite ainda têm uma definição muito ruim para matar a curiosidade de qualquer caicoense. E ficam ainda mais aquém quando se leva em consideração o bairrismo. 
O Google há de reconhecer o tanto de acessos que está perdendo, afinal, Caicó tem mais de um milhão de habitantes. Quem duvida é só dar um pulo no Tirinete, lá no Midway Mall e ouvir a história de quem inventou. Na conta de Ary Ovídio, o dono do restaurante, a cidade tem 1.060.000 habitantes; 60 mil em Caicó e um milhão no resto do mundo. 

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Contra o tempo nos contratempos das ruas.
Zenóbio Oliveira

Do bairro onde moro para o centro da cidade dá uma légua bem medida. Precisava ir lá comprar um produto e voltar com certa urgência. Presumi, baseado em cálculos mentais, que levaria meia hora, mais ou menos, para cumprir o trajeto de carro. Meu vizinho ainda alertou-me a não botar água pra ferver. Vai secar, ele disse. Sabia, mais do que eu, que Mossoró é uma cidade travada.
E é mesmo, apesar de tanto se ouvir falar em mobilidade urbana.
Ao sair de casa constatei que o trânsito àquele dia tava com a bexiga taboca, como se diz lá nas Aguilhadas.
Tive que esperar um bom tempo a passagem lenta de um rebanho bovino, visto que vaca não tem compromisso de tempo, nem respeita preferência de via. Um semáforo, algumas lombadas, um pardal, outro pardal e uma blitz do GETRAN parando todo mundo. Ainda bem que não tinha botado água no fogo. Outro semáforo, mais algumas lombadas, pardal, mais pardal, outra blitz da Polícia Rodoviária Estadual. Só estava abordando os motociclistas, pelo menos isso.
Cheguei ao centro. Aqui é preciso cautela. Rodar devagar, parando aqui e ali pra não atropelar ninguém. Gente demais na rua, culpa do desnivelamento das calçadas, que parecem mais uma longa escadaria de sobe e desce. Fico imaginando o aperreio que passa quem é cadeirante. Sigo, paro, sigo... Mais um semáforo. Nesse um palhaço esmolambado e triste esmola uns trocados.
Sigo, paro...
Fico esperando a manobra da carroça com seu carroceiro bruto e seu jumentinho teimoso. Ciclistas pra cima e pra baixo violando as regras de condução e um veículo quadrado e estranho, derivado da bicicleta, com uma caixa de som fanhosa anunciando a promoção de PF num restaurante inaugurado recentemente.
Sigo, paro, sigo...
A preocupação agora é encontrar uma vaga de estacionamento. No trânsito agitadiço homens e meninos agitados agitam flanelas oferecendo um lugarzinho imprensado a troco de uma recompensa financeira. Recuso. As últimas moedas ficaram na mão do palhaço com cara de choro.
Arranjei uma vaguinha. Um lugar ainda não privatizado pelos “flanelinhas” e um pouco mais distante da loja em que eu precisava ir. Aquela previsão de meia hora já tinha ido pro beleléu.
Fazer o que?
Comprei a mercadoria e encarei o percurso de volta. Horário de pico. Caminhões, ônibus, motos, carroças, bicicletas emprestavam à rua uma paisagem promíscua. Busquei uma rota alternativa e peguei uma avenida com pavimentação recente, uma das poucas que o povo da CAERN ainda não esburacou. Cheguei em casa, até que enfim, com o dobro do tempo previsto inicialmente e, num desabafo ensimesmado, praguejei a modo de meu avô:
Figa Diabo!  

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Verbo ad verbum


Na feira de Caruaru
Marcos Bezerra, do Novo Jornal


A coletiva do presidente do América, Alex Padang, alegando que o clube foi expulso do Rio Grande do Norte e pode ir jogar em Caruaru no segundo turno da Série B, virou assunto obrigatório e acirrou os ânimos entre os torcedores dos dois times nos quatro cantos da cidade e no mundo sem fim da internet. Aqui, pelos lados da Ribeira, também; incluindo este NOVO JORNAL. “O América devia conseguir o patrocínio da Ipiranga, que oferece quilômetros de vantagens”; “Este time vai longe”; “Voltei Recife, foi a saudade que me trouxe pelo braço”…

Uma americana de longa data aqui da redação acusava cada golpe. Ontem, justificava que hippie vive sempre com a mesma roupa, mas vive; que o alvirrubro estava bem na tabela e era o que importava. Lembrou o Botafogo, que cede o Engenhão para jogos do Flamengo e do Fluminense e prometeu volta para as gozações. Perdeu a paciência, inclusive comigo, quando brinquei que o time era, agora, América da sulanca. Eu, com minha mania de perder o amigo, mas não perder a piada fui taxado de abecedista.

Torcedor e não torcedor de um e de outro, acho que posso dar uma opinião desinteressada sobre o caso: o ABC pensou pequeno ao não alugar o Frasqueirão para o América. Faltou reconhecer que a situação não foi criada pela diretoria do clube rival e que uma possível derrocada alvirrubra não vai significar obrigatoriamente o sucesso alvinegro.

Quem conhece a hospitalidade dos pernambucanos deve desconfiar o quanto o América pode ser bem recebido. É tocar a bola pra frente e aproveitar o melhor da cultura local, descrita na poesia de Onildo Almeida e imortalizada por Luiz Gonzaga.

A Feira de Caruaru, Faz gosto a gente vê. De tudo que há no mundo, Nela tem pra vendê, Na feira de Caruaru. Tem massa de mandioca, Batata assada, tem ovo cru, Banana, laranja, manga, Batata, doce, queijo e caju, Cenoura, jabuticaba, Guiné, galinha, pato e peru, Tem bode, carneiro, porco, Se duvidá… inté cururu.

Tem cesto, balaio, corda, Tamanco, gréia, tem cuêi-tatu, Tem fumo, tem tabaqueiro, Feito de chifre de boi zebu, Caneco acuvitêro, Penêra boa e mé de uruçú, Tem carça de arvorada, Que é pra matuto não andá nú.

Tem rêde, tem balieira, Mode minino caçá nambu, Maxixe, cebola verde, Tomate, cuento, couve e chuchu, Armoço feito nas torda, Pirão mixido que nem angu, Mubia de tamburête, Feita do tronco do mulungú.

Tem loiça, tem ferro véio, Sorvete de raspa que faz jaú, Gelada, cardo de cana, Fruta de paima e mandacaru. Bunecos de Vitalino, Que são cunhecidos inté no Sul, De tudo que há no mundo, Tem na Feira de Caruaru.

Agora vai ter, também, a camisa do América.

Grandes poetas


Juvenília I
Fagundes Varela

Lembras-te, Iná, dessas noites
Cheias de doce harmonia,
Quando a floresta gemia
Do vento aos brandos açoites?

Quando as estrelas sorriam,
Quando as campinas tremiam
Nas dobras de úmido véu?
E nossas almas unidas
Estreitavam-se, sentidas,
Ao langor daquele céu?

Lembras-te, Iná? Belo e mago,
Da névoa por entre o manto,
Erguia-se ao longe o canto
Dos pescadores do lago.

Os regatos soluçavam,
Os pinheiros murmuravam
No viso das cordilheiras,
E a brisa lenta e tardia
O chão relvoso cobria
Das flores das trepadeiras.

Lembras-te, Iná? Eras bela,
Ainda no albor da vida,
Tinhas a fronte cingida
De uma inocente capela.

Teu seio era como a lira
Que chora, canta e suspira
Ao roçar de leve aragem;
Teus sonhos eram suaves
Como o gorjeio das aves
Por entre a escura folhagem.

(...)

Que é feito agora de tudo?
De tanta ilusão querida?
A selva não tem mais vida,
O lar é deserto e mudo!

Onde foste, ó pomba errante?
Bela estrela cintilante
Que apontavas o porvir?
Dormes acaso no fundo
Do abismo tredo e profundo,
Minha pérola de Ofir?

Ah! Iná! por toda parte
Que teu espírito esteja,
Minh'alma que te deseja
Não cessará de buscar-te!

Irei às nuvens serenas,
Vestindo as ligeiras penas
Do mais ligeiro condor;
Irei ao pego espumante,
Como da Ásia o possante,
Soberbo mergulhador!

Irei à pátria das fadas
E dos silfos errabundos,
Irei aos antros profundos
Das montanhas encantadas;

Se depois de imensas dores,
No seio ardente de amores
Eu não puder apertar-te,
Quebrando a dura barreira
Deste mundo de poeira,
Talvez, Iná, hei de achar-te! 


Publicado no livro Cantos e fantasias: poesias (1865).

In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Introd. Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 1959. v.2, p.130-13 

Música nordestina


Reconvexo
Caetano Veloso


Eu sou a chuva que lança a areia do Saara,
Sobre os automóveis de Roma,
Eu sou a sereia que dança, a destemida Iara,
Água e folha da Amazônia.
Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra,
Você não me pega, você nem chega a me ver,
Meu som te cega, careta, quem é você?
Quem não sentiu o suingue de Henri Salvador,
quem não seguiu o Olodum balançando o Pelô,
E quem não riu com a risada de Andy Warhol,
Que não, que não e nem disse que não...
Eu sou um preto norte-americano forte,
Com um brinco de ouro na orelha,
Eu sou a flor da primeira música, a mais velha,
A mais nova espada e seu corte,
Sou o cheiro dos livros desesperados,
Sou Giotá Gogóia, seu olho me olha,
Mas não me pode alcançar,
Não tenho escolha, careta, vou descartar,
Quem não rezou a novena de Dona Canô,
Quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-flor,
Quem não amou a elegância sutil de Bobô,
Quem é Recôncavo e não pode ser reconvexo.


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Artigo




Marcos Só Para Baixinhos 1
Marcos Bezerra, do Novo Jornal

Maria Clara, meu finzinho de rama, é uma menina famosa. – Porque meu pai é famoso! – Foi essa a dedução que ela tirou de seu juizinho de sete anos ao me ver participando do debate eleitoral na Band, na noite de quinta-feira. Ficou acordada até depois das onze horas para o acontecimento inédito e, contaram-me, dormiu feliz da vida. Ontem, quando de minha missão diária de ajudar na tarefa escolar, notei uma resistência menor da parte dela, que costuma botar o pai, conciliador ao extremo, no bolso. 
Aí, lembrei da minha primeira pequena, que via, desde que se entendeu de gente, as matérias do então repórter da TV Cabugi. Mateus, o segundo da fila, tinha antena parabólica em casa e pouco assistia às matérias do correspondente de Mossoró. João Marcos, o terceiro a vir ao mundo, ainda não tinha nem três anos quando o pai, por causa de uma infecção no olho esquerdo, foi forçado a trocar a rua pela redação. Quatro meninos... – Semeador –, gostei da definição de um amigo do peito. 
Iolanda, esse é o nome da primeira semente, reclamou que não a alertei sobre a participação no debate. Foi só uma pergunta, mas ela insistiu que eu deveria ter avisado. Tomou conhecimento por uma prima, que tomou conhecimento através do namorado. E outras pessoas deram notícia de meus poucos segundos de fama televisiva. Alguém me perguntou se eu estava nervoso. – Um pouco –, foi a resposta. Sempre ficava, nas entradas ao vivo. Talvez porque não deu tempo de pegar o costume, pela pouca frequência de oportunidades em Mossoró e também por reconhecer a responsabilidade do momento. 
Voltar a um estúdio, depois de mais de dois anos longe do universo televisivo, onde fui forjado profissionalmente com quase 19 anos de experiência, valeu pela importância do evento e também pela lembrança. Afinal, o tempo de minha pergunta, ao deputado Fernando Mineiro, deve ter sido o equivalente à duração de uma “passagem” – a aparição do repórter na matéria. Coisa que fazia, nos bons tempos, até três vezes por dia. 
Na redação da Band Natal, tão menos tumultuada que a deste NOVO JORNAL, encontrei e ganhei o sorriso de sempre da apresentadora Vânia Marinho, com a qual sempre brinco falando a verdade – Eu sou seu fã! – e que foi a primeira que vi na bancada do RNTV. No estúdio, saboreei cada momento do por trás das câmeras e voltei para casa disposto a resgatar um pouco do meu passado repórter. 
Ontem, encontrei velhas fitas de VHS e um DVD com o meu nome rabiscado na capa. Matérias antigas, não pensei em outra coisa. Abri e nem desconfiei do XSPB 3, escrito no disco. O computador, nos estertores de uma pane geral, tenho certeza disso, demorou para ler e, quando leu, propôs-me uma viagem na terceira versão de Xuxa Só Para Baixinhos... Meus baixinhos hão de querer outra atração.



Poesia pura


COISIFICADAS
Haroldo Lyra


Hoje é comum mulher tirar a roupa
Pra revelar nas bancas de jornal,
Despudoradamente o colossal
Segredo da virtude, já tão pouca.

Desnuda-se, aos apelos do mural;
Na crapulosa folha a pose louca
Que a revista conduz de boca em boca
E faz dessa mulher coisa venal,

Que assim exposta nua à sordidez;
Dependurada à espreita do freguês,
Nem percebe aonde e como vai chegar.

Mas chega ao pai, os sonhos carcomidos,
Por ver da filha os garbos preteridos,
E oferecida a quem puder pagar. 


SUBLIME AMOR
Haroldo Lyra

Numa clínica, um velho procurava
Rápido curativo à mão doente.
Dizia-se apressado, que era urgente,
Pois tinha um compromisso e se atrasava.

O médico, atendendo ao paciente,
Perguntou por que tanto se apressava!
É que, num certo Asilo, costumava
Tomar café co’a esposa, já demente.

O médico ressalta: “Por descaso,
Não reclamara ela desse atraso?”
E ele: “Nem mais me reconhece, até”.

“Então! É apenas um capricho seu?”
“Oh, não! Ela não sabe quem sou eu,
Mas eu sei muito bem quem ela é”.

domingo, 5 de agosto de 2012

Artigo



Caicó Beat
Marcos Bezerra, do Novo Jornal

Quem porventura me ligar, não vá estranhar a demora no alô do outro lado da linha. Também pode ser preciso ligar uma segunda vez já que, na primeira, estarei me deleitando com os acordes de African Beat, o toque do meu telefone celular. A música era o tema de abertura do Parque Lima, montado todos os anos nos canteiros centrais da Rua Padre Sebastião, onde morávamos e que, à época, trazia tudo o que de mais moderno existia em termos de diversões: roda-gigante, aviões e cavalinhos que subiam e desciam. Bons e inocentes tempos.
E este mesmo Parque Lima tinha, ao lado de sua roda gigante prateada com duas cadeiras de cada cor, um estúdio musical igualmente colorido. Pontualmente, às 16h, o controlador botava para rodar African Beat. Tam ram,tam tam, tam tam ram tam tam tam ram tam tam... O estúdio de som do parque abria seus trabalhos, que só seriam encerrados lá pelas 22h, não consigo lembrar se repetindo o tema de abertura. E eu, que morava em frente, ouvia African Beat e os sucessos do momento - o primeiro que lembro é Preta Pretinha, do início dos anos 1970 - nos dez dias da festa.
Devo a descoberta da música tema e do autor, Bert Kaempfert, ao amigo Francisco de dona Ana Alice, morador da rua de trás da Padre Sebastião. Ele mudou para Natal ainda menino, mas é mais caicoense do que eu, se é que dá para medir o sentimento de apego a este chão árido, que mesmo assim consegue alimentar nos seus filhos um amor incondicional. Nas andanças da vida só vi igual em outras cidades do Seridó.
Há alguns anos Fantico, como chamávamos na infância, disse que descobriu a música tema do Parque Lima. Com o nome, fiz uma busca no Google e, depois, no You Tube. Lá estava Bert Kaempfert, o compositor alemão com sua orquestra. Não há imagens, apenas a foto dele e o áudio de African Beat. Copiei o link e depois de contar a história aos estagiários que trabalhavam comigo na Pauta da Inter TV Cabugi passei a rodar a música sempre às 16h. Virou motivo de brincadeira; quando eu esquecia, vinha um para lembrar.
Depois, no dia que resolvi comprar um celular que fizesse mais que atender e ligar, catei a música na internet. E é ela que me segue. Numa visita a Caicó, dia desses, botei pra tocar quando passava pela Padre Sebastião de hoje em dia. O que era um canteiro desocupado virou uma praça. Quase um bosque de tantas árvores frondosas. Com a Catedral de Santana ao fundo, uma imagem mágica na noite caicoense. Quis voltar.
O Parque Lima de minha infância perdeu-se no tempo. Os novos, com seus brinquedos radicais e que meus meninos adoram, estão montados na Ilha de Santana. Sem Bert Kaempfert, sem African Beat, que, orgulhosamente, ouço tocar no meu dia a dia.

Poesia do sertão




Ai! Se sêsse!...
Zé da luz

Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dos se impariásse,
Se juntim nós dois vivesse!
Se juntim nós dois morasse
Se juntim nós dois drumisse;
Se juntim nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulíce?
E se eu me arriminasse
e tu cumigo insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!!!