segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

De repente o repente


A VELHICE É UM DÉBITO QUE A IDADE
PODE ATÉ PRORROGAR, MAS NÃO DISPENSA

Raimundo Nonato e Nonato Costa


Na vertente do olho a lágrima mina
E sem reserva de cálcio a junta estala
Tem a voz cavernosa quando fala
E uma letra ilegível quando assina
Quando o músculo enfraquece a pele afina
E sobre as veias o sangue se condensa
A saúde apresenta uma licença
E a beleza aposenta a vaidade
A velhice é um débito que a idade
Pode até prorrogar, mas não dispensa

Como um Banco Central o tempo é
Todo ano pra nós libera um lote
Não aceita ninguém dando calote
Nem fazendo empréstimo de má fé
Classe média, elite ou a ralé
Todos passam no crivo da sentença
O pior reajuste o da doença
A maior inflação a da saudade
A velhice é um débito que a idade
Pode até prorrogar, mas não dispensa

Não tem roupa que sirva como adorno
Nem sessão de botox que lhe ajude
Na CPMF da saúde
A velhice jamais faz um estorno
Da BR do fim não tem retorno
Pra idade não tem convalescença
E uma légua de tempo é tão extensa
Que uma vida só anda uma metade
A velhice é um débito que a idade
Pode até prorrogar, mas não dispensa

Esta nossa epiderme é só a capa
Este nosso esqueleto só tem osso
Quem escapa da morte enquanto é moço
Quando chega a velhice não escapa
Quando almoça uma sopa janta papa
Olhos fundos, mãos trêmulas, pressão tensa
Tem dos filhos total indiferença
E vê dos netos desprezo e má vontade
A velhice é um débito que a idade
Pode até prorrogar, mas não dispensa

Quanto mais a idade se prorroga
Mais ao corpo cansado Deus castiga
O perímetro do sonho o pranto irriga
E a maré da saudade nos afoga
Prao abismo sem mãos a morte joga
E sem usar compressor o tempo imprensa
Excluído da sorte de nascença
Quem se cria não tem felicidade
A velhice é um débito que a idade
Pode até prorrogar, mas não dispensa

Taxa esdrúxula que chega a mil por cento
Sem constar em cartório o título vale
Um minuto de riso se equivale
A um dia de lágrima e sofrimento
A amnésia atacando o pensamento
Não existe remédio que lhe vença
Nossa vida longeva nem compensa
Que a saúde prescreve a validade
A velhice é um débito que a idade
Pode até prorrogar, mas não dispensa

Para todos o tempo é um juiz
E cada réu que não tem tempo ao alcance
Vai ouvir do destino: eu lhe dei chance
Você teve direitos , mas não quis
Do empréstimo de vida que eu lhe fiz
Sua conta aumentou ficou imensa
Sua felicidade foi suspensa
E só retorna na próxima eternidade
A velhice é um débito que a idade
Pode até prorrogar, mas não dispensa

Quando surge crepúsculo em vez de auroras
Falta fôlego na válvula dos pulmões
Quem foi centro de todas atenções
Onde chega não tem quem dê as horas
No diálogo dos genros e das noras
É motivo de queixa e desavença
E cada dia a matéria mais propensa
A ouvir a extrema unção do frade
A velhice é um débito que a idade
Pode até prorrogar, mas não dispensa

Os mais próximos pra longe se debandam
Sem poder opinar na cor da tinta
Na estufa da vida o tempo pinta
Os cabelos na cor que os anos mandam
Se tremendo de dor as pernas andam
Vagarosa e sem força a mente pensa
A tristeza é assídua na presença
E é distante o prazer da mocidade
A velhice é um débito que a idade
Pode até prorrogar, mas não dispensa

A velhice traz desses dissabores
Corpo esbelto com os anos fica cheio
Quem começa bonito acaba feio
Se vão cem alegrias, vêm mil dores
Quem viveu convencido dos amores
Hoje só não encontra quem convença
Do que foi é tão grande a diferença
Que ele próprio duvida que é verdade
A velhice é um débito que a idade
Pode até prorrogar, mas não dispensa







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