sábado, 8 de fevereiro de 2014

Crônica

O palhaço do cruzamento.
Zenóbio Oliveira

Concentrado no semáforo esperando o sinal ficar verde, nem dei fé daquele palhaço esmolambado ao lado do carro, com cara de choro, toda pintada e feia. Esperei a anedota, o gracejo, mas nenhuma sílaba, nenhum trejeito cômico, apenas a mão estendida, num gesto de súplica, a implorar minha piedade.
Longe da magia das luzes e das cores e sem a ilusão do picadeiro. No espetáculo da sobrevivência, o palco da rua não oferece o abrigo da lona, mas a causticidade de um sol a prumo ardendo no couro a quarenta graus. O corpo já lhe nega forças para as cabriolas e piruetas e as desgraças da vida roubaram-lhe as graças do rosto, hoje marcado pelas carquilhas, que nem a maquiagem consegue mais esconder. Não tem a alegria dos palhaços das minhas lembranças, não provoca o riso, mas causa a compaixão.
Chamam-no de “Queima-roda”, cognome esdrúxulo, alcunha humilhante, denotativo de baitolagem, chacota que a modernidade apelidou de bullyling.
Há dias não vejo o palhaço esmolando entre os carros nas intermitências do sinal vermelho. Soube que estava hospitalizado, vítima de assalto, ferido por adolescentes, como os que alegrou em seus tempos áureos, mas ignorantes da fascinação e do encanto que envolvem esse artista circense.
Sempre dediquei minha percepção semiológica ao signo palhaço como uma representação fiel da alegria e do contentamento. Hoje me assusto quando esse mesmo signo remete a imaginação ao significado de condolência e sofrimento, manifestados no palhaço triste daquele cruzamento. Uma generalização injusta, a contradizer a história de que a primeira impressão é a que fica.
A verdade é que esta situação comove para alem do embate semiótico das minhas concepções, ensinando que alegria e tristeza nos são comuns e que até para os palhaços a vida reserva o tempo de fazer rir e de fazer chorar.