domingo, 15 de julho de 2012

Opinião



A culpa da regra dois
Marcos Bezerra, do Novo Jornal

Fiquei feliz outro dia com uma notícia que saiu neste NOVO JORNAL sobre o saneamento básico no bairro Morro Branco:  “Hoje, os proprietários de 90% dos 3,5 mil domicílios do bairro já podem conectar as caixas de gordura instaladas em suas calçadas pela Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern) à tubulação principal embaixo da rua. As caixas dos 10% restantes deverão ser instaladas ainda neste mês”, escreveu nosso jovem repórter Pedro Vale. 
Os moradores do bairro também ficaram felizes. Muitos deles nem sabiam que já podiam fazer a ligação até as caixas disponibilizadas pela empresa de saneamento em suas calçadas. Pedro colheu vários depoimentos e todos foram unânimes em destacar os benefícios das obras, que “estavam sendo realizadas desde 2010 e custaram R$ 5,96 milhões”. Só não entendo por que nossos governantes relutam tanto em investir na área se, segundo a ONU, para cada R$ 1 investido em saneamento se economiza R$ 4 em gastos com saúde!? 
Em se tratando do Morro Branco, uma das regiões mais nobres de nossa bela capital, acho que essa notícia tinha que ter sido dada há uns bons 40 anos, quando o repórter ainda nem era um projeto de gente e eu não passava de um moleque sambudo correndo pelas ruas de Caicó. Eram ruas saneadas, as da minha infância. Talvez por isso, até hoje não me conformo com a falta de investimentos em saneamento básico no nosso país. Por mais que tenha sido investido nos últimos anos, ainda temos um déficit considerável e eu, que andei muito e ainda gosto de andar pelas cidades do interior potiguar, acrescento o incômodo do mau cheiro e as picadas de muriçoca ao meu pacote de indignação. 
Para mim não existe um quadro maior de descaso dos nossos gestores com o seu povo do que as casinhas bem cuidadas com o esgoto correndo no pé da calçada. Os moradores, em sua simplicidade, convivem com a situação como se ela fosse natural. Em Janduís, meu ponto de referência familiar, ou se dorme debaixo de um mosquiteiro, ou na frente de um ventilador em velocidade máxima. Divirto-me, quando vou lá, com  o meu tio Bertino e sua raquete elétrica. Todo fim de tarde, começo de noite, ele sai pela casa praguejando contra e eletrocutando muriçocas. Na cidade, quase toda casa tem uma. Imagino que em alguns pontos da grande Natal também. Lá em casa mesmo já comprei uma made in China para combater os insetos que o síndico atribuia à Mata do Catre e que, descobrimos depois, vinham mesmo de brechas nos sumidouros. Os moradores de Morro Branco vão ficar livres deles. Eu não. E ainda me sinto mal por poluir o lençol freático. Sim, meu juízo é torto o suficiente para guardar essa culpa. 

sábado, 14 de julho de 2012

Poesia


ADEUS
Diniz Vitorino


Se me enxotas, mulher, eu parto, já é hora.
Não me humilhes no pranto da partida,
Pois o maior desespero de quem chora,
É não ter sua dor reconhecida.

Minha lágrima é de amor, nasceu agora!
Mas a tua depois será nascida.
Quanto mais escondida ela demora,
Mais será lacrimosa a tua vida.

Os teus remorsos virão! Eu não sei quando.
Haverás de lembrar de mim chorando,
Eu também chorarei sem ti na cama.

Tua lágrima externa falsidade,
Mas as minhas são gotas de saudade,
Jamais secam, nos olhos de quem ama.









Cousa Estranha
Patativa do Assaré


Esta noite, já quase madrugada,
No silêncio melhor de toda gente,
Despertei do meu sono de inocente,
Pelo doido ladrar da cachorrada.

E fiquei a dizer: não devo nada,
Criminoso não sou, vivo contente,
Quem me vem perturbar, tão insolente,
O repouso feliz desta morada?

Me fugiram os pulsos, pois sou fraco,
E lembrei-me de gato, de cassaco,
E raposa, mexendo no poleiro.

Porem logo notei estranha coisa,
Nem cassaco, nem gato, nem raposa,
Era um vice prefeito em meu terreiro.






sábado, 7 de julho de 2012

VERBO AD VERBUM


O sorriso da Morte

A morte me sorri. E, desconfio, faz tempo. Afinal, se para morrer basta estar vivo, quem já anda dentro dos 46, como dizem os mais antigos, deve ter acumulado algumas vitórias nas batalhas contra a dita cuja. Não que tenha escapado de alguma doença grave – perder uma visão não chega a ser risco de morte – nem vivido grandes perigos – tomar banho nas cheias do Rio Seridó também não tinha nada de perigoso para eu moleque. Muito embora, eu na meia idade – ela começa aos 40 e vai até os 65 anos – teria um ataque cardíaco se visse um filho nadando naquelas corredeiras de águas barrentas. 
Essa ideia de que a morte está à espreita vem mesmo de tentar entender o porquê de ainda estar aqui enquanto outros se foram. De questionar, vez em quando, quem decide quem vai mais cedo e quem fica para tocar a obra de Deus. Se bem que, dizem, os mortos também tem seu papel nas engrenagens do mundo. Rezo pelos meus. Lembro-me deles quase todos os dias e converso com um ou outro quando estou à espera do sono. Os amigos também entram na roda de conversa. Este ano se foram dois dos tempos de infância; caicoenses como eu e com idades parecidas. 
Assim, por essa relação tão tranquila, resolvi sorrir para a morte. Fiz uma primeira tentativa mês passado, depois de trabalhar uma revista de 28 páginas em quatro dias, além da rotina neste NOVO JORNAL. Tomei xícaras e mais xícaras de café, dois comprimidos energizantes e banhos frios para me manter ativo. Tarefa cumprida, corpo cansado e cérebro ligado, achava que daquela noite, ou madrugada, não ia conseguir passar. Então, preparei meu melhor sorriso para morrer a melhor das mortes... Dormindo. 
Se bem que morrer não dói. Quem garante é meu irmão Chico. Há uns bons anos, ele deu um passamento e se saiu com essa porque só lembrava de ter passado mal. Se tivesse ido dessa para melhor, garante, não teria sentido nada. E fez pouco da morte, para desassossego da mulher, das filhas e dos irmãos. Como Chico de Ciça é mais velho que Marcos de Ciça, acho que tenho a quem puxar nas minhas doidices.
Voltando à minha última noite: ajeitei-me na cama e estudei o sorriso ideal para a passagem. Não podia ser exagerado, para não parecer que estava zombando dos vivos, mas tinha fazê-los entender quão sereno eu estava naquele momento. Aí descobri que não se consegue dormir e sorrir ao mesmo tempo. Os músculos da face relaxam na mesma medida do resto do corpo. Entre frustrado e contente, adormeci. 
Tive outros dias igualmente atribulados, mas já não achei que teria a melhor das mortes. Para não ser surpreendido por ela, tento passar sorrindo pela vida.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Poesia pura


Pau de arara
Pompílio Diniz

Lá vem vindo os pau-de-arara
Num caminhão Fê-Nê-Mê
Desses, que, quando para,
Suspira pra gente vê!
Lá vem vindo os pau-de-arara,
E o só, bateno na cara,
Fazeno os póbe sofrê.

Fê-Nê-Mê é caminhão
Das Fábrica Nacioná
De Motô, qui dá insprusão
E custa muntho a pegá.
Fê-Nê-Mê tem nome inzato,
É Fome no Norte é Mato,
Assim diz o pessoá!

Vem todo mundo lá drento,
Uns de cóca, ôtos de pé,
Naquela farta de assento,
Se arrume lá quem pudé!
A gente tem impressão
Qui o peste do caminhão
Virô barca de Noé!

Suó, catinga, puêra,
Fadiga, fome, cansaço,
Dô de cabeça, tontêra,
Molêza e dô no ispinhaço!
Tudo isso o cabra sente,
No meio daquela gente,
Além dos ôto imbaraço!

É quando grita um de lá:
- Qui farta de inducação!
Tu num pudia isperá
Qui parasse o caminhão?
Apelando pra saúde,
Diz o ôto: - Fiz o qui pude,
Mar num hôve jeito não!

As istrada?... É uma disgraça,
Só tem buraco e disvio!
Quando passa o caminhão
Pu riba dos catabio,
Quem tá lá dent dá pinote,
Qui inté parece os caçote,
Na ribancêra do rio!

Isso, porém, num é nada
Pus cabôco do Sertão!
As istrada insburacada,
As farta de inducação,
Nada disso se cumpara
Cum o sofrê dos pau-de-arara,
Quando quebra o caminhão!

Intonce, grita o chofé:
- Muitha atenção, pessoá!
In riba fica as mulé,
Os home tem qui apiá!
O caminhão trôxe ocêis,
Agora, chegô a vêiz
De nóis tomém li levá!

E vamicê num imagina
O qui é um caminhão
Quebrado nas travessia
Das istrada do Sertão!
É cansaço, sêde, fome,
E o home qui num fô home
Num arrizéste, nhôr, não!

E assim chêga os pau-de-arara,
Impurrano um Fê-Nê-Mê!
O só, bateno na cara,
Fazeno os póbe sofrê!
Coitado dos pau-de-arara,
A sorte nunca lhe ampara,
Nem os Guvêrno lis vê!