sábado, 23 de junho de 2012

Poesia pura


Dois e dois são quatro
Ferreira Gullar

Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena 
Embora o pão seja caro 
E a liberdade pequena
Como teus olhos são claros 
E a tua pele, morena
como é azul o oceano
E a lagoa, serena
                
Como um tempo de alegria
Por trás do terror me acena
E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena
                
- sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro 
e a liberdade pequena. 

sábado, 16 de junho de 2012

VERBO AD VERBUM


América da Borborema
Marcos Bezerra, do Novo Jornal

No início de minha carreira jornalística fui repórter esportivo da TV Cabugi. Dia sim, o outro também, estava correndo atrás de ABC ou América, ou os dois ao mesmo tempo quando a pauta exigia. Os treinos do alvirrubro eram realizados na Pousada do Atleta, ali onde hoje funciona o Hiper Ponta Negra, e os do alvinegro na Vila Olímpica. O antigo campo foi ocupado por um condomínio de luxo, mas a sede continua lá servindo de alojamento para as categorias de base do clube. 
Eram tempos difíceis, aqueles. Do rico América e do pobre ABC. O primeiro, além do campo de treino num lugar bem mais valorizado, tinha sua sede da Rodrigues Alves, no nobre bairro do Tirol. E o ABC tinha o que? Um terreno grande com um buraco impossível de ser tapado, como diziam à época. Nos treinos, quando queriam sacanear com os zeladores que atuavam como gandulas, os jogadores miravam a depressão. No terreno de dunas, a bola só ia voltar 15 minutos depois. 
Mas, apesar da diferença patrimonial, os times se equivaliam em campo, num Machadão de públicos mirrados. Tanto espaço para quase nada. Lembro um campeonato que começou com cinco clubes, perdeu um – se não me engano o São Gonçalo – e depois o quarto participante, o Alecrim. Ficaram ABC, América e Atlético, o tal Moleque Travesso que os locutores da Rádio Cabugi, Hélio Câmara com seu vozeirão à frente, apregoavam, mas que nunca vi aprontar travessura nenhuma. Tinha ABC e América numa semana e América e ABC na outra. Não lembro o ano nem quem foi o campeão. Até tentei pesquisar, mas o site da Federação Norte-rio-grandense de Futebol não traz muito da história da principal competição potiguar. Na parte destinada à memória, só existe um breve “em breve”. E nem o sabe tudo do Google me respondeu. 
Naquele campeonato ouvíamos os gritos dos técnicos com os jogadores; destes reclamando faltas e chingando os adversários e mesmo os comentários dos torcedores, poucos metros abaixo das cabines de imprensa. Por tudo isso, e por não ter aprendido a torcer nem pelo ABC nem pelo América, ao mesmo tempo que torço pelos dois na segunda divisão do Campeonato Brasileiro, acabo sem entender como o “rico” não pode ceder seu estádio para o “pobre” da vez. Sem contar que a falta deste palco é consequência de uma Copa do Mundo. E o mundo do futebol também dá voltas. Claro que a pressão da torcida falou mais alto. Talvez por medo de ver o maior adversário fazer sucesso em sua própria casa. 
Como não vai poder contar com o Nazarenão no returno, o América ensaia jogar em Campina Grande; ironicamente, no estádio Amigão. Quem sabe não é adotado como representante da Paraíba na Segundona. De América de Japecanga, como tiram sarro os abecedistas, para América da Borborema, não deixa de ser um progresso. 

Poesia Nordestina

O Plantador de Milho
Daudeth Bandeira

Sou eu caboclo da roça
Criado dentro da mata
Nunca calcei um sapato
Nunca usei uma gravata
Moro perto da cidade
Mas pra falar a verdade
Só vou lá de feira em feira
Ou quando há precisão
De batizar um pagão
Ou buscar uma parteira

No dia que registrei
O meu filhinho mais novo
O juiz estava nervoso
Brigando no meio do povo
Me chamou de maltrapilho
Sujo, plantador de milho
E disse mais uma piada
Dessas que a boca não cabe:
Matuto pobre só sabe
Fazer menino e mais nada.

O juiz não tinha filhos
Que enfeitassem sua vida
Eu conhecia a história
E fui direto na "ferida":
O senhor está zangado,
Tem dez anos de casado
E a mulher não tem um filho;
A sua comida fina
Não contém a vitamina
Que há na massa do milho.

A minha família é grande
Dez filhos e a mulher.
Sua família é pequena
Mas é porque você quer.
A sua mulher lhe embroma
Quase todo dia toma
Anticoncepcional
Lhe vicia em novela
Dorme tarde e faz tabela
E esquece do "principal".

Ouvi o senhor dizer
Que está gastando por mês
Mas de dez salários mínimos
Só com perfume francês
Diz que a vida é uma bomba
Que foi não foi leva tromba
Com mercadoria falsa
Comprar perfume estrangeiro
É pra quem possui dinheiro
Nos quatro bolsos da calça

Caro doutor, lá em casa
Ninguém nem conversa em luxo
A fora uma simples roupa,
O resto é encher o bucho
Não acostumei meu povo
Exigir sapato novo
Para as festas de São João
Ao invés de um colar de ouro
Compro a rabada de um touro
Pra se comer um pirão.

Lá ninguém fala em perfume,
O que há na minha casa
É cheiro de carne assada
Pingando em cima da brasa
Minha cabocla Maria,
Gorda, disposta e sadia,
Pra toda vez que eu quiser
Botar fogo na geléia
Para isso a minha "véia"
É mulher, sendo mulher.

Como, é galinha caipira
E não galeto de granja
Ao invés de coca-cola
Tomo suco de laranja
Com rapadura de mel.
E escute aqui, bacharel,
Conversa longa me atrasa.
Quer ver a mulher Ter filho?
Bote um plantador de milho
Pra dormir na sua casa.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Vá... que eu vou dormir


Marcos Bezerra
do Novo Jornal

A profissão que abracei é pródiga em produzir cidadãos insones. Pelo menos os que trabalham à noite, como é o meu caso. Para manter os neurônios funcionando até tarde, nada como um cafezinho atrás do outro. A cota destinada à redação acaba cedo, mas sempre aparece uma garrafa extra “lá de baixo”, onde, acredito, não existem tantos cafeólatras. Assim, com uma boa dose de cafeína no juízo e martelando as ideias até a hora de largar o batente, chego em casa com o cérebro ligadão. Até desligar é coisa de varar a madrugada.
Entregar o corpo cansado à curiosidade de algum programa televisivo não vai me fazer relaxar. Filmes mamão com açúcar, também não. De ação muito menos, com o agravante de que, sempre que começo a assistir um ou outro,  só vou conseguir largar com os créditos subindo. A leitura de uma revista também não resolve meu problema e os bons livros, sinceramente, guardo o respeito de tê-los em mãos, não nas horas de cansaço, mas de relaxamento.
Isso tudo, mais a decisão – extemporânea para os costumes atuais – de nunca tomar nem mesmo um relaxante muscular para dormir, quanto mais um tarja preta, já faziam de mim um quase zumbi. Em autoanálise, um caso perdido...
Até esta semana.
Receita para insônia: encontre na programação televisiva algo que não lhe agrada – o que, convenhamos, é muito fácil –, mande  todos os envolvidos na produção e apresentação para a cucuia e vá dormir. A experiência é recente e, reconheço, não está cientificamente comprovada. Mas, mas por enquanto, estou com cem por cento de aproveitamento. 
Foram quatro tentativas. A primeira com Chitãozinho e Xororó no Jô Soares. O apresentador, de vez em quando, já é um pé no saco e música sertaneja não faz meu estilo. Então, sinto muito Chitãozinho e Xororó, mas eu prefiro dormir.
Na segunda noite lá vem William Waack clamando pelo fim do mundo por alguma mudança na economia. Interessante que, depois que a decisão do Ministério da Fazenda ou Banco Central se mostra acertada, eles nunca voltam ao assunto, o que seria reconhecer o erro em suas previsões eternamente sombrias. Em vez disso, estão sempre em busca do próximo erro; do próximo “mas”.  Vão ser pessimistas assim lá nos cafundós do Judas; reclamei com William Waack, ri do cabelo “lambido de gato” de Carlos Alberto Sardenberg e não esperei para ouvir o agradecimento de Eraldo Pereira pela audiência que “é sempre sinal de prestígio para o Jornal de Globo”.
Na terceira noite, Top Shot, do History Channel. Um reality show para descobrir quem é o melhor atirador dos Estados Unidos. Para quem não gosta de violência, bom que o controle remoto resolve rapidinho.
Na última noite, a chamada para a entrevista de Ronaldinho Gaúcho ao Jornal da Globo. Vá tomar num lugar impublicável seu mercenário de alguma coisa impublicável! Praguejei como bom flamenguista e fui dormir o sono dos justos.