domingo, 30 de setembro de 2012

Rimando


CAPELA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO


SÍTIO GANGORRINHA

GOV. DIX-SEPT ROSADO

Foto: Agacê Di Oliveira




Nas festas da capela de Paulino
Quando vai se acabando a novena
Logo se ouve a voz de Zé de Bena
Chamando prao leilão o campesino
Na palhoça um sanfoneiro nordestino
Afinando a sanfona e o gogó
E o leilão vai troando, é bom que só
O tocador vai testando o acordeom
E o cantor só dizendo “alô Som”
E o povo se ajeitando pro forró


Zenóbio Oliveira


Poesia brasileira

Longa espera
Walter Siqueira

De longe embora, aceno-te, ofertando
A mão que te deseja ver sorrindo,
Ou recolhendo um sonho azul e lindo
Que te faça viver sempre cantando.

Sonhei em te beijar, de quando em quando,
Para te ver em pleno céu fremindo,
Como se fosses o caminho infindo
Por onde seguirei, feliz, te amando.

Das mulheres do mundo que conheço,
Serás a única flor a que ofereço,
O sacrifício dessa longa espera...

Para alcançar-te o coração risonho,
Hei de viver nos halos do meu sonho,
Até que desabroche a primavera.

Poesia Potiguar

Caminhos opostos
Marcos Ferreira

Hoje eu te vejo assim, tão soberba e vaidosa
Sem ter um menor gesto, um cumprimento mudo
A quem sonhou contigo um sonho cor de rosa
Tão belo e tão fugaz como foi quase tudo
   
Prossegues mais altiva e não menos  formosa
Fingindo-se a vontade com teu ar sisudo
Sem dar por meu poema e nem por minha prosa
Que sempre me colocam muito mais desnudo

Pois hoje há só pedaços de vários  tamanhos
Daquele amor tão frágil que nos faz agora
Cruzar pelos caminhos como dois estranhos

E assim  quem nos encontra nunca irá supor
Que foste meu fugaz, meu grande amor de outrora
E que também outrora eu fui teu grande amor.

Grandes poetisas

Primeiro amor
Nair Starling

Primeiro amor que rouba o sono, a paz, a calma,
Primeiro amor que deixa o coração chorando,
Começa mesmo assim, de longe, vacilando,
E põe o paraíso inteiro dentro d'alma.

Primeiro amor gentil, ternura que se espalma,
Enquanto a cabecinha ardente vai pensando
Na sorte, no porvir, em tudo! Sempre amando,
Exulta, sente fé, implora a Deus a palma!

Em cinza o tempo muda a doce impertinência,
Vaivém com rapidez, relaxa o apaixonado,
Até fazê-lo rir do amor da adolescência.

Então o antigo sonho azul, alcandorado,
Inútil fantasia, arpejos da inocência,
Se tem sabor de festa, é sombra do passado... 

Poesia Nordestina

No monturo da cozinha
Donzílio Luiz de Oliveira


Em um monturo eu cheguei
Às cinco horas da tarde
Hora que o sol já não arde
Numa pedra me sentei
Em seguida aproveitei
A frieza da tardinha
Observei o que tinha
E vou descrever agora
O que vi jogado fora
No monturo da cozinha

Vi um pano de calção
Uma banda de vestido
Uns retalhos de tecido
A ponta de um cinturão
Penas de pombo e canção
De juriti e rolinha
Junto um muçambê que tinha
Se criado no monturo
Tudo coisa sem futuro
No monturo da cozinha

Perto um molambo fumaça
Coisa que é muito comum
Uns talos de jerimum
Umas cuias de cabaça
A menos de uma braça
Vi uns carretéis sem linha
Vi uns caroços de pinha
Casca de jaca e de coco
Maravalha, vara e toco
No monturo da cozinha

Vi um pedaço de espeto
Um embrulho de cordão
Umas cascas de feijão
Um monte de garaveto
Uma moita de chá preto
Onde uma franga se aninha
Para se tornar galinha
Ainda a primeira vez
E só põe se tiver indez
No monturo da cozinha

Uma banda de bisaco
De carregar munição
Um caco de botijão
Que foi de fazer tabaco
A molambeira de um saco
Desses que vem com farinha
Papel de embrulhar balinha
Caneca de tirar leite
Caco de fazer azeite
No monturo da cozinha

Vi uns retraços de palha
Um armador de mofumbo
Cabaça de guardar chumbo
Uma esteira de cangalha
O cabo de uma navalha
Um pedaço de bainha
Os trapos de uma calcinha
As tiras de uma cueca
Umas penas de peteca
No monturo da cozinha

Tinha folhas de coqueiro
Caco de quenga e catemba
Retraços de arupemba
E facho de marmeleiro
Mais pra beira do terreiro
Havia um pé de jarrinha
Conservado pra mezinha
Pra curar dor de garganta
Por isso existe essa planta
No monturo da cozinha

Bem amarrado e seguro
Vi um molho de tição
Da fogueira de São João
Guardado em cima de um muro
Para as três noites de escuro
Que o padre disse que vinha
A ideia não é minha
Já vem dos tempos passados
Poe isto eles são guardados
No monturo da cozinha

Taco de xícara e de prato
Casca de manga e caroço
Couro seco, canga de osso
Que os cães trazem do mato
Resto de bota e sapato
Pé de batata rainha
Onde a criação caminha
Tem taco de corda e couro
Chifre de bode e de touro
No monturo da cozinha

Vi caixa de papelão
Caco de frasco e garrafa
Banda de pente e marrafa
Vi carrapeta e pião
Vi caçamba, vi caixão
E uns tijolos de bandinha
Onde se senta a vizinha
Pra falar da vida alheia
Nas noites de lua cheia
No monturo da cozinha

É lá que são despejados
As relíquias da infância
Trastes de pouca importância
E objetos quebrados
Diversos troços usados
Que tiram da camarinha
Coisas que o tempo apadrinha
Fogo queima, terra gasta
Lugar onde o jegue pasta
No monturo da cozinha

Melão-são-caetano entrança
Por sobre a carrapateira
Moita de erva-cidreira
Onde a galinha descansa
Marca de pé de criança
Onde o bebê engatinha
Latas de doce e sardinha
Papel de embrulho e almaço
De tudo existe um pedaço
No monturo da cozinha


Publicado no Livro Ranchos & Garranchos - 1ª Edição 1996




quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Rimando no Palco Nordestino

Décima
Zenóbio Oliveira


D. Maria, venha cá, me atenda,
Vou querer um sapato Bonivanti,
E o cinto da fivela mais brilhante,
Que a senhora tiver na sua venda,
Quero também um corte de fazenda,
Pra fazer uma camisa esporte fino,
E uma calça de tergal boca de sino,
Com as nesgas de lado d’outra cor,
Pois no sábado vou levar o meu amor,
No forró da capela de Paulino.

Poeminha


Rimando
Zenóbio Oliveira

Quando o sol rachou o chão
Do meu sofrido sertão
Levando o verde pro além
Vendo a terra ressequida
Reparei que a minha vida
Ta igualzinho também
As rachaduras do chão
Que a seca provocou
São que nem as que o amor
Abriu no meu coração 

Opinião


Ponto de vista
Marcos Bezerra, do Novo Jornal

Chamo de Principado de Emaús, o bairro panamirinense onde moro, nas franjas de Natal. Lugar de ruas sossegadas que, um dia, há de ter São Nivaldo Monte como padroeiro. 
A BR-101 divide o bairro em dois e, do meu lado, Aeroporto Augusto Severo, Base Aérea de Natal e a Mata do Catre fazem do lugar um nicho. Só vai lá quem tem negócio. Da minha janela de apartamento popular, avisto e respiro o pedacinho de Mata Atlântica protegido pela Aeronáutica. Santa proteção! 
De incômodo só um ou outro tiro disparado no treinamento dos recrutas. Menos mal que o orçamento parece ser curto – calculo pelo número de tiros e fico a pensar na qualidade dos soldados formados em nossas Forças Armadas. Só se aprende a atirar atirando. Sei disso por experiência própria nas barraquinhas de tiro ao alvo da vida. R$ 2, cinco chumbinhos. Mas, em lugar de cinco chocolates sem gosto para levar para casa, dois ou três pirulitos derrubados pelo palito. Marcos “tiro certo” só precisa de um tempo para se acostumar à mira das espingardas de ar comprimido! Para não ser injusto, acredito não ser culpa dos comandantes militares, que vivem a pedir mais verbas para treinar suas tropas. 
Mas, ando meio aborrecido com eles. Só não sei a quem endereçar meu inconformismo: Aeronáutica ou Exército. E tudo por causa de um  muro.
Não sei quem teve a ideia. Sei que são os homens do Exército, trabalhadores da construção das marginais da BR-101, que estão executando. Tijolo a tijolo, o paredão de seus três metros de altura vai subindo bem na ponta do aterro da nova marginal, que consumiu algumas centenas de carradas de areia e barro até ser concluída. A estrada ficou a poucos metros do pedacinho de floresta que tanto prezo e, num trecho que vai até quase o Rio Pitimbu, os carros passam na altura da copa das árvores. Eu, que passo por lá dia sim e o outro também, curtia essa visão cada dia mais rara numa cidade que cresce a passos acelerados. Até me deparar com o primeito tijolo e entender, ou pelo menos tentar entender, o que estavam fazendo. 
Eu, que entre muitos defeitos não relaciono o egoísmo, pensei que outros motoristas bem poderiam sair da via principal para também desfrutar desse contato com o verde. Mesmo que fosse só o tempo de abrir a janela e respirar um pouco do ar que nós, moradores deste lado de Emaús, respiramos e que, apesar do obstáculo, ainda estará lá quando a obra for concluída. Chato vai ser encher os pulmões de cara para uma parede de tijolos. 
Como tudo tem seu lado positivo, a obra da marginal inclui também um calçadão, tocado pelos mesmos operários fardados. A revolta pelos tijolos que sobem serena com o cimento que se espalha, da pontinha de Emaús até quase Nova Parnamirim. Como consolo, na caminhada, ainda vamos ter um restinho da vista do Rio Pitimbu. 

Sabença proverbializada


Modelo de prato
não tempera o feijão!

AOS BOTEQUINS


Templos de viagens
Genildo Costa

Vez por outra me vem aquela sensação de que ainda há espaço para uma conversa aprumada por esses botequins da vida. Até que de vez em quando aparece algumas almas privilegiadas. Confesso, mas, dificilmente consigo ser seduzido quando  entra em cena o tão bem postado discurso da supremacia. Aliás, muito comum quando a cena é gerada a partir de um certo grau de desenvoltura desses atores decotidiano sombrio.
Os mais reservados, geralmente, aguardam o momento ideal para sua intervenção. Tudo  conforme os critérios da casa. Quem sempre sai ganhando é o anfitrião que acaba conciliando e aprendendo, por demais. É nesse expediente da diversidade humana que a vida se apresenta como um grande espetáculo. Na verdade, nesse tabuleiro de discurso bem polido, os mais irreverentes tornam-se paladinos do compromisso ético; Sempre em defesa da causa perdida.
Sem perder o prumo e sempre antenado, o tribuno não disfarça e se convence de que tudo não passa de uma quimera. Uma fantasia, que vai muito além de sua imaginação. É quase que um tiro certeiro. Uma tentativa de se redimir de tantos fracassos, de tantas decepções. Mesmo assim a vida segue, normalmente, seu curso, por esses corredores de tão profunda e visível decadência. E aí, a alma definha, lentamente, como se num compasso de espera.
Por sob essas manhãs de tão pouca claridade para com os dias que se repetem, o calendário pouco tem alterado a rotina desses dias de  cansaço e de amigos ausentes. A tribuna está vazia. O copo deixado por sobre a mesa não mais sugere a alegria e, nem tampouco, consegue evitar o desejo compulsivo da bebida amarga que depaupera e estrangula o pouco que ainda resta de alguns fracassados moribundos.
Quem outrora jurou estar sempre por perto, sumiu no elevador do tempo. Não esperou, sequer, o próximo espetáculo. Mas a platéia inquieta, em volta à mesa, insiste em não querer desistir de ver, pela última vez, a mais profunda e legítima declaração de amor e apreço às ilusões perdidas.
Tamanha é a sua capacidade de permanecer altivo e sereno. Ciente de suas incursões. Frágil, mas sem perder a elegância de sua essência e sem deixar vestígios, no camarim da vida.
Não há como compensar a dor, em meio aos gritos da penúltima noite. O bêbado enfeitado, de fantasia torpe, numa declaração aos raios primeiros de cinzenta aurora, tropeça e em gritos de alucinação saúda as luzes que se desprendem dos faróis incandescentes. Agora sim, a sós. Tenta e não consegue acertar o caminho da mais próxima estação. Parece tão perto e tão distante. A mão amiga, é visagem. É horizonte que se encerra. É tropeço que se configura, agora em verdade, absolutamente.
Creio que todas as verdades possam estar expostas por esses varais de tão rude encantamento da vida que se esgota. Que não seja os olhos de oberã os últimos a fitá-los. Prefiro, ainda mesmo que tardiamente, esperar a última sessão, desse enorme palco da vida. Sei que por essas instâncias de solidão e de medo, foram-se, pra nunca mais voltar, os aplausos. As fantasias de minha tão pequena e singela morada e (alcova) desses corredores por onde me perdi.
Para não mais ter que tentar outra vez, depois de tantos embates, prefiro o meu mundo desabitado. Mesmo frágil, me apresento como astro... que chora, rir e não se curva a derrota. Porque derrota, às vezes, muito mais astro me faço.
Não sei o que sou. O que represento. Devo estar por sob às luzes desses astros de infinitos desejos.Talvez um astro vagabundo, que vagueia no silêncio dessas ruas paralelas e de becos estreitos de profunda melancolia. É final. Estrangularam-se as falas, agora, por onde devo ir?! não sei dizer pra onde e que rumo tomar. Perdi o tino e o espaço que a mim resta, quando possível, é guarida para as palhetas douradas de um sol quase sempre nessas manhãs que me despertam na incansável monotonia desse badalar insano do som das catedrais.

Poesia Nordestina

Traduzir-se
Ferreira Gullar

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo. 

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão. 

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira. 

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta. 

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente. 

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem. 

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

(Em Vertigem do dia - 1975-1980)

sábado, 22 de setembro de 2012

Palavra por palavra

O pó que respiramos 
Marcos Bezerra, do Novo Jornal 


Eu acho que vi um gatinho... Na margem da estrada, no caminho de casa. Um bicho assustado como eu, bicho homem, com aquela enorme quantidade de carros, caminhões e motocicletas indo e vindo a todo momento. Escanchado numa motocicleta, vendo o chão passando em velocidade sob os meus pés, o sentimento é de quase medo. A tal sensação de liberdade, só com pista livre. Apreensão para qualquer motociclista é um bom aliado da sobrevivência. Faz você redobrar os cuidados que para-choque o veículo não tem e, aprendemos cedo, se algo atravessar à nossa frente, não há como parar. O gatinho não atravessou à minha frente. Estava perdido numa marginal da vida, a poucos metros da morte. Não sei porque o bichano foi parar naquele mundo caótico. Era um gato jovem e branco na maior parte do corpo. Mais não deu para ver porque passei por ele como todos os outros motociclistas e motoristas que iam no mesmo sentido. Estava no canteiro entre a marginal e a BR. Não sei se voltou para onde tinha vindo, ou tentou atravessar a pista. Na primeira hipótese teria alguma chance de ser bem sucedido; na segunda, a morte seria certa. Para cima e para baixo nesse meu caminho de roçado, sofro pelos bichos mortos que encontro sobre o asfalto. São vítimas de uma carnificina e nós seus algozes, em nossas máquinas de fazer correr... De fazer morrer. A pressa é nosso combustível numa corrida que, ironicamente, vai dar no fim da vida. Desconheço, se existe nunca vi, um serviço para a retirada desses animais, cujas carcaças não têm nem tempo de apodrecer, moídas que são pelos pneus dos carros. Um atrás do outro, eles vão transformando os bichinhos numa massa disforme. Quando o animal é maior, o asfalto ganha uma mancha de sangue e outra que dura mais. Prestei atenção e descobri que se trata da gordura dos bichos, brilhando macabramente quando o sol se faz a pino. Em muito pouco tempo, o que já foi um bichinho cheio de vida vira uma capa coberta de pelos. Daqui a pouco é nada. Os ossos desaparecem de tantos carros que passam por cima. Eu, que não bato bem da bola, busco e pouco encontro restos nos cantos da estrada. Parece que os bichos viram mesmo pó e, nessa forma, voltam para o altar onde foram sacrificados. Sim, a poeira que todos nós respiramos certamente tem partículas de cachorros e gatos mortos. Aparentemente, isso não faz mal à saúde. Só aos fracos do juízo, como eu, que se deixam impressionar pela carnificina e se entristecem com a paga da vida moderna. Questiono-me se a frieza do bicho homem pode chegar, um dia, ao ponto de moer um ser humano morto atropelado na estrada. E respirá-lo depois...

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Música Nordestina

Ai d'eu saudade
Xangai

Poesia do RN

Incandiado
Renato Caldas

Dos cabelo de Sá Dona,
A cô eu num sei dizê;
Meus óio num tem vontade,
Meus óio num tem querê,
Pois os óio de Sá Dona
Num deixa meus óio vê.

E quem é que arreséste
Uma coisa desse jeito?
Qui se infinca pulos óio
E se inspaia pulos peito!...
Num hai Sá Dona, num hai,
Quem possa inxergar direito.

Mercê pensa que é mintira?
Pois num é mintira não...
É mió oiá pru só
Cum todo seu quilarão
Do que oiá pra esses óio
Mais preto do que carvão.

O só atrapaia as vista,
Deixa aquela cunfusão...
Mais, os óio de Sá Dona,
Vai batê no coração,
Fica pru dento queimando,
Cuma se fosse um vurcão.

E é purisso Sá Dona
Qui eu tô dizendo a vancê:
Meus óio num tem vontade,
Meus óio num tem querê,
Pois os óio de Sá Dona
Num deixa meus óio vê.

Grandes Poetas

Na esperança dos teus olhos
Vinícius de Moraes

Eu ouvi no meu silêncio o prenúncio de teus passos
Penetrando lentamente as solidões da minha espera
E tu eras, Coisa Linda, me chegando dos espaços
Como a vida impressentida de uma nova primavera
Vinhas cheia de alegria, coroada de guirlandas
Como sorrisos onde havia burburinhos de água clara
Cada gesto que fazias semeava uma esperança
E existiam mil estrelas nos olhares que me davas
Ai de mim, eu pus-me a amar-te, pus-me a amar-te mais ainda
Porque a vida no meu peito se fizera num deserto
E tu apenas me sorrias, me sorrias, Coisa Linda
Como a fonte inacessível que de súbito está perto
Pelas rútilas ameias do teu riso entreaberto
Fui subindo, fui subindo no desejo de teus olhos
E o que vi era tão lindo, tão alegre, tão desperto
Que do alburno do meu tronco despontaram folhas novas
Eu te juro, Coisa Linda: vi nascer a madrugada
Entre os bordos delicados de tuas pálpebras meninas
E perdi-me em plena noite, luminosa e espiralada
Ao cair no negro vórtice letal de tuas retinas
E é por isso que eu te peço: resta um pouco em minha vida
Que meus Deuses estão mortos, minhas musas estão findas
E de ti eu só quisera fosses minha primavera
E só espero, Cisa Linda, dar-te muitas coisas lindas

Sabença proverbializada

"Quem refresca cu de pato é lagoa".

Verbo ad verbum

A culpa de cada um 
Marcos Bezerra, do Novo Jornal


Emaús e um pedaço de Mata Atlântica, à frente de minha janela. Moro num pedaço de sossego e, sossegado no meu canto, pouco convivo com pessoas longe do universo familiar. Meus vizinhos; conheço poucos pelo nome e, mesmo estes, pouco conhecem de minhas ideias tortas, que aprumo aqui, pelo menos esteticamente, graças às ferramentas deste computador que tanto me serve e de quem tanto reclamo. Esta bolinha circulando, traduzida como espera, dá-me nos nervos.
Dá para perceber que ando um pouco perturbardo.
Culpa do corre-corre do dia a dia; do dinheiro pouco que deixa a conta encarnada no banco; dos juros que serão cobrados no início do mês e que comprometerão ainda mais meus parcos recursos.
Culpa de um inacabada marginal, que nunca se finda por causa da burocracia. Os senhores responsáveis pelas concessionáris de energia, telefone, gás e água bem podiam colaborar com o Dnit e liberar seus postes, canos e cabos para a construção dos complementos dessa bendita BR-101, que leva e traz, todos os dias, este cidadão de casa para o trabalho, do trabalho para casa e que tanto se aperreia com os perigos do semáforo de Cidade Satélite.
Ou, talvez, culpa da agitação que tem tomado conta da nossa querida terra dos Reis Magos, onde a prefeita resolveu dar um reajuste inesperado nas passagens de ônibus, os estudantes protestar e a Polícia coibir os manifestos com gás de pimenta, bombas de efeito moral e balas de borracha.
Cruzei com o movimento de ontem aqui na velha Ribeira; ou o movimento cruzou comigo em frente ao Banco do Brasil. Fiquei arrepiado, querendo virar estudante de novo – no meu tempo não sabíamos nem o que era protesto. Não fosse o trabalho e, talvez, incorporasse um anarquista de meia idade e me juntasse ao protesto. Eu, que nem ando de ônibus, mas sou a favor da livre manifestação... Eu que, confesso, amaldiçoaria os estudantes e dirigiria palavras pouco elogiosas a suas genitoras, caso estivesse no imenso engarrafamento provocado por eles. Contradição? Não, aí seria minha, a livre manifestação.
Na verdade, os jovens fazem o que todos nós que moramos e/ou trabalhamos nessa terra Natal gostaríamos de fazer. Dizer à senhora prefeita que não suportamos tanta falta de cuidado com a coisa pública. O aumento das passagens, depois de um longo tempo sem reajuste nas tarifas, com insumos e salários subindo, pode até ser justo, mas não precisava ter sido feito dessa forma. De supetão, e no apagar das luzes de um governo que cai pelas tabelas, é de se pensar que argumentos fizeram a Borboleta esquecer a birra inicial de que não daria, de jeito nenhum, o aumento que ora causa tanta discórdia.
Ou, ainda, culpa da lua azul, que prateia minha floresta.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Música Brasileira

Dodói
Juraíldes da Cruz

Ouvir




Onte eu vi maria no seu jardim
Tá cuiendo flor prá jogar ni mim
Bem que eu tô sabendo que ocê é meu
Tá cuiendo flor pra jogar ni eu
To doidim mode ela, ela doidim mode eu
Tá cuiendo flor pra jogar ni eu
Ei flor, cadê o cheiro que você prometeu
Ei flor, não venha me dizer que se esqueceu
Ei flor, será que não se lembra mais deu
Ei flor, daquele cravo dijuntim seu
Amor, nosso brinquedo no pé de juá
Ei flor, não esconda vê se vem me dá
Amor, será que ocê se esqueceu de mim
Não acredito no que vejo
Pois sei que o seu desejo
Era me amar até o fim
Amor, será que bicho foi que te mordeu
Ei flor, será que foi que se assucedeu
Amor, não lembra mais do seu dodói
Eu era o lírio dos teus olhos
Nóis banhava no riacho
Diacho valha-me deus
Ei flor, cadê o cheiro que você prometeu
Ei flor, não venha me dizer que se esqueceu
Ei flor, será que não se lembra mais deu
Ei flor, daquele cravo dijuntim seu

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Poesia do RN

NORDESTÊS
Hélio Crisanto

Copo pequeno é caneco
Porco novo é bacuri
Namoro agora é xaveco
Diarréia é xiriri
Briga pequena é arenga
Mulher sem futuro é quenga
Bunda também é baiti

Tirar onda é caningar
Vitamina é furtidão
Fazer pouco é caçoar
Frexar é aporrinhação
Carro velho é cafuringa
Tudo que fede é catinga
Fazer bico é viração

Cabra pequeno é baé
Colisão é barruada
Quem salta dar cangapé
Mulher grávida é amojada
Beber liso é pirangueiro
Briguento é imbuanceiro
Cuspe no chão é goipada

Frouxo se diz que é folote
Galo novo é um capão
Toutiço aqui é cangote
Mungango é malcriação
Rede pequena é tipóia
Enrolagem é tramóia
Furdunço uma confusão

Vento frio é cruviana
Xique-xique é marrabu
Bala e bombom é bagana
Comida ruim é angu
Tibungar é dar mergulho
Pedante que tem orgulho
Ficar triste é jururu

Já cansei de miunçar
Chega de cavilação
Que esse nosso linguajar
E essa nossa falação
É o retrato da cultura
Mostrando a literatura
Das coisas do meu sertão.


O MENDIGO
Marcos Ferreira

Esse que você vê tão sem destino
feito carta jogada de um baralho
já foi muito benquisto e muito fino,
apesar dessa forma de espantalho.

Esse velho cansado peregrino
também teve seu lar e seu trabalho.
Não viveu toda a vida em desatino,
como triste e perdido rebotalho.

Pois quem diz há mais tempo conhecê-lo,
me garante que tanto desmantelo
tem alguma mulher por responsável...

Sendo assim, nós o vemos todo dia
carregando a suposta fantasia
por aquela que o fez tão miserável.






Grandes poetas

Esparça
José Albano

Há no meu peito uma porta
A bater continuamente;
Dentro a esperança jaz morta
E o coração jaz doente.
Por toda a parte onde eu ando,
Ouço este ruído infindo:
São as tristezas entrando
E as alegrias saindo.

Sabença Proverbializada

"Pobre quando come galinha, um dos dois tá doente."