sábado, 26 de maio de 2012

Cuidado!


Zenóbio Oliveira

Cuidado com os pardais!
A advertência vem da palavra, da oralidade que, pelo repertório da experiência, remete ao sentido uma outra forma de expressão, a escrita, num letreiro gravado em pequenas placas fixadas nos portões de residências, onde se alerta para outro tipo de animal, digamos, muito mais feroz: Cuidado com o cão!
Esse cuidado escrito é sempre levado em consideração. O cão é animal perigoso, com raras exceções. Alem disso, a legenda na tabuleta não revela nem a qualidade, nem a condição atual do canino. O outro cuidado desdenhamos, até porque o pardal é um bicho inofensivo, inclusive  para os insetos, pois se alimenta de grãos e migalhas humanas.
A ave em questão, porem, não é um passeriforme voante e canoro não. Trata-se de um vigilante atento, imoto, calado e matemático, com enorme poder de fogo, ou de flash. Como seu homônimo, passer domesticus, é ubíquo em regiões habitadas pelo homem e também se alimenta de suas migalhas. Espalhados em pontos estratégicos, e agora sem aviso prévio de sua presença, esses passarinhos tecnológicos são capazes de papar para seus donos (o estado e empresas agregadas suas) mais de dois bilhões de reais por ano.
É amigo, esse bichinho eletrônico come alto e tem papo grande. "Pássaro" atento e ativo com poder de vigiar e punir, a serviço de uma indústria, convertida em sistema e cada vez mais poderosa, a indústria da multa.
Ademais, essa “ave” deve ser compreendida e aceita como máquina dotada de personalidade, pois do contrário, transgrediria a regra básica do direito administrativo, preconizada no artigo 280 do Código Nacional de Trânsito, que imputa competência para “lavrar o auto de infração ao servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência”.
Especialmente para o motorista, que convive diariamente com alertas dessa natureza, podemos acrescentar mais alguns: cuidado com os buracos; cuidado com o motorista mal educado e estressado; cuidado com a carestia dos DETRAN’s; cuidado com o assalto na rua, na oficina e na bomba de gasolina; cuidado com os engarrafamentos; cuidado com a falta de sinalização; cuidado com a escuridão; cuidado com os animais na rua e nas estradas; cuidado com a carroça, com a bicicleta, com a moto; cuidado com a pedra solta do calçamento; cuidado, cuidado, cuidado...
E quando for entrar em casa, cuidado com o cão, se for sair dela, cuidado com os pardais.



Mobilidade imóvel


Marcos Bezerra, do Novo Joranl

Há um mês, mais ou menos, destinei este espaço para gastar a paciência do leitor discorrendo – com o perdão do trocadinho infame, desandando a passos de tartaruga, que correr em hipótese alguma se aplica nesse caso – sobre a preparação de Natal para a gloriosa e redentora Copa do Mundo de 2014. Chamava atenção para a visita de uma equipe do comitê organizador local à capital potiguar, a exemplo do que deve ocorrer nas outras cidades-sedes, para vistoriar as tais obras de mobilidade. Deste cérebro de grandes proporções saiu o veredicto que, aqui, os técnicos não iriam encontrar mais do que um relógio chifrim, mostrando os dias que faltam para o início do evento, e um boneco gigante com uma bola debaixo do braço. A má notícia é que, agora, só temos o placar. O boneco escafedeu-se. Permito-me elucubrar sobre o seu sumiço... 
Consta que foi retirado de lá por determinação da Justiça, atendendo a uma solicitação do jovem que seguiu de modelo para a placa promocional. O cachê para posar com o moicano de Neymar, ele recebeu. Uma merreca de direito de imagem. O que faltou foi a Prefeitura pagar o direito de micagem, pelo tanto de gozações que o rapaz teria sofrido. “Má rapá, cê num sai dali. Largue essa bola e vá cuidar das obras, que é mais importante”, teria reclamado um amigo interlocutor. Perna de pau era o menor apelido que recebia nas peladas do bairro onde mora, onde teria ficado conhecido por jogar plantado.
Já um tuiteiro, que como todos outros têm como meta botar pelo menos uma frase nos trending topics mundiais antes de esgotar os 140 caracteres de sua vida e ir pro céu – muito embora o TT Brasil já sirva de consolo e garanta ao menos o purgatório – garante que viu o boneco ganhar vida e sair andando numa noite dessas. Consta que, depois de se aconselhar com os Reis Magos de luz, vizinhos no infortúnio de comer a poeira dos carros no entorno do viaduto de Ponta Negra, ele tomou o caminho da árvore de natal gigante. Lá, desnorteado com o efeito de neve que o equipamento proporciona, tal e qual King Kong, subiu na estrutura metálica com a sua inseparável bola debaixo do braço. Há quem diga que ele também levava uma moça que acreditava em Papai Noel e reclamava a falta de uma claque para aplaudir sua atuação heróica, apesar da falta de apoio dos governos federal e estadual. 
A Polícia não confirmou a informação. Também não confirmou a versão de que seus homens foram obrigados a abrir fogo contra o gigante de metal e madeira, que resistiu até a chegada do reforço do helicóptero Potiguar Único. Diante da superioridade da autoridade constituída e o fuzilamente iminente, o boneco-placa-jogador resolveu se entregar sob a condição de não mais voltar para o local de origem. Ainda mais depois de descobrir que o Ministério Público suspendeu as obras de mobilidade para a realização de audiências públicas.  Cansou de levar a culpa pela imobilidade sozinho.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Na milhar




Marcos Bezerra
do Novo Jornal

Mauritônio, agricultor disposto do sítio Beirada da Serra, tinha perdido a virgindade com uma jumenta. Ele e os outros meninos da zona rural, que mulher bulida era coisa difícil por aquelas bandas. A mão era a maior companheira de infortúnio. A inspiração vinha das meninas que tomavam banho em cercados feitos de folha de oiticica, no entorno das cacimbas. Dava pra ver quase nada, mas isso era mais que o suficiente. Já tardando na adolescência, fez o que todo rapaz fazia: juntou os trocados ganhos na apanha do feijão e foi para a zona.
Lá viu pela primeira vez Valquíria. Era uma cabrocha bonita e bem fornida, que caiu na vida depois que o marido buscou os caminhos do Sul e nunca mais deu notícias. Com dois bruguelos para criar, entrou na vida. Pouca gente sabia dessa história. Mauritônio era um deles. Pegou a moça numa noite de tristeza e algumas doses de conhaque. Nunca tinha conversado conversa de prumo com uma mulher. Gastou o pouco que tinha para conhecer o sabor de Valquíria. Satisfeito ficou, mas o tesão ganhou o acréscimo da paixão, que depois virou amor.
Das tantas vezes que passava no cabaré ia mais para puxar assunto que o dinheiro era escasso. Ele queria amor, ela queria dinheiro e a conta não fechava.
Sofria quando a amada ia fazer praça em outras cidades. Ela voltava, sabia. Num desses retornos, quase não a conhecia. O cabelo agora era estirado, cheio de “lúis”. Mais, Valquíria tinha botado peitos, empinados e grandes. “É silicóin, um tipo de prástico”, explicou. E mostrou, para encanto do rapaz. Uma, duas vezes. Não deixou pegar porque saliência só lá dentro.
Além disso, costurou de novo as partes. Coube ao banqueiro do Jogo do Bicho da região o privilégio de tirar-lhe a segunda virgindade. Arriada do primeiro ao quinto pelo branquicelo de olhos verdes, que avermelhava nas horas mais quentes do dia, fazia de conta que acreditava em suas promessas vazias. Mas o poder do dinheiro seduz e os gastos com os meninos, na casa de uma comadre na capital, não paravam de crescer.
Mauritônio contou os cobres, mas descobriu que o preço de sua doce Valquíria tinha aumentado, de vinte para cinquenta reais. No momento, ele não tinha tanto. Pediu a ela, em consideração, para guardar-lhe ao menos o gozo, que voltaria mais tarde, antes do fechamento da casa. – Logo hoje que Anchieta vem aqui? – Só hoje, guarde pra mim.
1837. O jovem tinha sonhado com a milhar. Era sonho forte para a rodada da noite. Já Valquíria, não resistiu aos encantos do bicheiro Anchieta – mais generoso naquele dia, porque a banca não tinha pago nenhum prêmio grande. Ia fingir o melhor dos gozos para Mauritônio.
O agricultor não apareceu. Envergonhado, passou com sua bicicleta pela rua de trás do bordel. Ia trabalhar para juntar dinheiro e conhecer o gosto de prástico do silicóin de Valquíria. Pela esperança que não morre, decidiu amarrar a milhar.


sábado, 12 de maio de 2012

O crowfunding de Dieckmann


Marcos Bezerra, do Novo Jornal

Os mais antigos diziam que mente vazia é a oficina do cão. Ou morada. Em tempos de internet 24 horas na casa de qualquer cristão remediado, e ao alcance de alguns poucos reais na lan-house, arrisco-me a raciocinar que não existe mais mente vazia. Com o mundo na distância de um click, é fácil mantê-la ocupada. Tirando um ou outro anormal, como este escrivinhador de ideias tortas, que não consegue ir além de alguns blogs sujos e três ou quatros sites de notícias, trocando o computador por um livro, revista ou conversa na terceira demora de download, todo mundo tem a capacidade de passar horas e mais horas conectado. E a internet, não precisa dizer, mas eu digo, é infinita.
O que eu descobri outro dia, depois esqueci o nome e tive que buscar no Google, foi o crowfunding. É para funcionar assim: você publica seu projeto na internet em busca de adesões e financiamento. Quem se interessa paga com cartão de crédito ou deposita na conta do autor do projeto. É um tipo de trabalho colaborativo, socorre-me Everton Dantas. Mas, ele mesmo diagnostica: a coisa ainda não pegou.
Trabalho colaborativo; o melhor dos mundos em tempos politicamente corretos. Eu tenho uma boa ideia e pessoas ao redor do mundo podem me ajudar a concretizá-la. Aí vem o diabo, morador da internet... O Nake It, site não sei de que, lançou uma campanha para arrecadar R$ 300 mil e fazer um nu da apresentadora Pietra Princípe, do “Papo Calcinha”, do canal pago Multishow. Era para ser o primeiro ensaio fotográfico nu do site, que usa como desculpa o objetivo de “angariar fundos para fotos de mulheres que as revistas masculinas não dão atenção”.
Vi uma entrevista da tal Pietra no Agora é Tarde da Band, onde ela reclamava que os cachês maiores das revistas masculinas iam para ex-BBB’s e que não ia mostrar a perereca por menos de R$ 300 mil. O Nake It arrecadou R$ 85 mil, não vai publicar as fotos da apresentadora e já disse que vai devolver o dinheiro dos contribuintes. Mas, os criadores do site inventaram uma nova modalidade de nu: colocar uma mulher no ar, durante um mês, e, a cada R$ 500 arrecadados, liberar uma nova foto. Quanto mais dinheiro, mais fotos. E cada vez mais apimentadas. É ou não é uma oficina do cão?
Mas, se crowfunding é, ou pelo menos deveria ser, politicamente correto, por que não usá-lo em favor da atriz Carolina Dieckmann? Ela, que foi vítima do vazamento de fotos de seu arquivo pessoal, onde aparece nua, bem podia ser uma das beneficiadas do Naket It ou outro site do tipo. Não precisava nem angariar fundos; apenas pedir aos marmanjos que viram as fotografias, sem retoques do Photoshop, para contribuir com a causa. Devo admitir, serei forçado a coçar o bolso.

A mulher zangada



Zenóbio Oliveira

A expressão fechada e aborrecida da professora já denunciava arrogância, confirmada logo, logo no primeiro verbo. A brandura de sua interlocutora, uma jornalista, era um contraste que saltava aos olhos. A fala da mestra golpeava ferindo, a de sua colocutora balsamava. A negação contundente, em todos os sentidos polissêmicos da palavra, a uma solicitação para uma filmagem da sala de aula aniquilava a conversa, ultimada num pedido de desculpas da repórter, que foi quase uma súplica.
Eu e os alunos fomos testemunhas oculares e auriculares daquela cena.
Confesso que não encontrei de imediato uma motivação plausível que justificasse o destempero da educadora. Até achei estranho esse comportamento. Talvez porque ainda ecoe na lembrança a voz imperativa de meu pai: “Estude, se não quiser ser estúpido”, ou quem sabe seja parca a compreensão que tenho da natureza humana.
Quem pode explicar?
Numa definição puramente científica, o especialista em psicologia poderia atestar como causa provável uma alteração do humor; no zunzunzum de ponta de rua os fofoqueiros diagnosticariam como uma alteração do amor e o sertanejo, em sua sabença de vida, diria que se trata tão somente da privação de uma necessidade fisiológica.
Não sei quem é aquela pessoa de palavras e gestos exasperados, mas memorizei sua figura para evitar constrangimentos futuros. Nos corredores disseram ser do curso de Direito e fiquei a imaginar como alguém de Direito pode ser tão esquerdo.
Vá entender.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A mãe nossa de cada dia


Marcos Bezerra, do Novo Jornal

Pequenina, magra, olhos verdes acinzentados e um nariz afilado demais da conta que cheguei a duvidar se ela conseguia respirar direito. Com o perdão da indiscrição, quase perguntava. A moça em questão é estudante de comunicação social, habilitação em rádio e TV e chegou à redação do Novo Jornal graças a uma ligação de sua mãe, dona Salete, num início de tarde da semana passada.
Fiquei de responder, mais tarde, sobre uma semana de teste para uma vaga de estágio. Consultadas as autoridades constituídas, não houve problema e a estudante do 7º período ficou de aparecer às 14h da segunda-feira. Nome e sobrenome dela eram complicados – na apresentação a moça pelo menos facilitou ao trocar o segundo nome, que não lembro nem a poder de reza, por Gois, “com ‘i’ e sem acento” destacou. Kyberli era o primeiro nome, soletrado para eu anotar. Antes disso achei por bem, ao falar sobre a nova candidata a estágio, chamá-la de “filha de dona Salete”.
E quem é dona Salete? Foi a pergunta mais ouvida e para a qual eu não tinha resposta – a não ser dizer que era uma senhora que tinha ligado para batalhar uma vaga de estágio para a filha. “A moça que eu tinha falado…”; “Sim, mas quem é ela?”, “A filha de dona Salete!” E isso gerou situações divertidas na reunião de editores e na redação, onde, na segunda-feira Kyberli foi apresentada, claro, como a filha de dona Salete, já que eu não lembrava o nome.
Brinquei de reclamar, mas Jalmir Oliveira, repórter que é, questiona que se a gente aprendeu o nome de Tulius Tsangaropulos, Kyberli ia ser fichinha. Verdade. Tsangaropulos, o “grego” que andou entre a gente e foi perseguir o sonho de ser repórter de televisão na Inter TV. É assim a vida, de idas e vindas que dependem de nossas escolhas. Certas ou erradas, a gente só vai saber e avaliar depois, como faço agora na maturidade. Teria feito tudo diferente, ou tudo igual de novo? Sabe Deus. Sei que tentaria melhorar como ser humano. E Kyberli Gois já precisou fazer uma escolha.
Depois de três dias em meio ao caos relativamente organizado de uma redação de jornal ligou dizendo que tinha saído o resultado de um teste que havia feito em outro lugar. Não perguntei onde era, desejei boa sorte e não me esqueci de mandar um abraço para dona Salete. Ela, que chamo de dona, mas que talvez seja até mais nova que este digitador de ideias tortas, é mãe de Kyberli, mas é também minha e sua. A figura que nos bota no mundo, nos ensina a andar e vai dando uns empurrõeszinhos de vez em quando, para a gente tomar tento na vida. Lembrei de dona Cícera, minha mãe, que foi atrás e conseguiu o primeiro emprego de minha vida nas Casas Pernambucanas. De dona Salete não anotei nem o telefone, mas guardei a certeza que Kyberli Gois também tem uma mãezona.

A Revolta dos Macacos



Pompilho Diniz

Só nos trouxe desvantage
Essa ta de descendênça.
Pois pru mode essas bobage,
Houve tanta desavença,
Que de argum tempo pra cá
Bicho nenhum quer mais dá
A macaco muita crença...

No entanto vocês se engana
Pió mentira não há.
Coquero não dá banana
(cada coisa em seu lugá)
Nem bananera dá coco
Nóis, os macaco tampouco
Vai outro bicho gerá

E nenhum de nóis aceita
Na famia essa braiada.
Nossas macaca é direita
Muito honesta e respeitada
É por isso que eu duvido
Que os homi tenha nascido
No meio da macacada

Se os homi tivesse em fim
descendência de macaco,
num havia gente ruim
e nem sujeito veiaco.
Vivia sem ter trabaio
Drumindo no memo gaio
Comendo no memo caco

Repare se argum macaco
bebe cachaça pru viço.
Se cheira tabaco...
Ou desejando sumiço,
ele memo se matasse.
Mas os homi quando nasce
Já tem tendença pra isso

Veja bem se argum de nois
somente por ambição
Guardando rancor feroz
mata seu prório irmã.
Que ele seja forte ou fraco
macaco contra macaco
nunca fez revolução

Animá nenhum da terra
Tem esse instinto do homi
de vivê fazendo guerra
Matando os outro de fomi.
Entre nóis há união.
Sem haver exproração
quando um comi os outro comi

Se um macaco tá doente,
cura seu má com resina.
Mas os homi é deferente.
Faz primeiro uma chacina
em tudo quanto é macaco
e dele fazer vacina

Também as nossa macaca
Num dexa os fio cum fomi
nem arruma a sua maca
e pelo mundo se somi
atrás de outro chimpanzé
Cumo faz essas muié
fugindo com os outro homi

As nossas macaca véve
Cuidando só da famia.
Nenhuma deles se atreve
ir de noite pras folia
deixando em casa seus fio
bandonado, com frio
pra vortá no outro dia

Porém, nada disso importa
E pra falá francamente
Nóis enfim só não suporta
a mentira dessa gente
que pra manchá nosso nome,
quer pru força que esses homi
seja nossos descendente.