quinta-feira, 23 de abril de 2015

Se eu fosse um trem
Pe. Luiz Ximenes

Se eu fosse um trem, garanto que eu seria
um trem daqueles velhos trens de outrora!
A uma estação eu nunca chegaria
senão depois de ter passado a hora.

O melhor da estação está na espera
do trem que vai passar e que atrasou.
Se eu fosse mesmo um trem (ah, quem me dera!)
eu seria esse trem que não passou...

Eu seria esse trem retardatário,
cheio de lassidão, trem proletário,
que o povo espera sempre na estação,

numa esperança sempre renovada
de que esse trem lhe traga na chegada
um pouco de alegria ou de ilusão.

terça-feira, 31 de março de 2015

Ponto de vista

Racismo no Brasil
Zenóbio Oliveira

O racismo sempre foi um assunto polêmico e permanece ainda veemente nos debates de nossa sociedade hoje em dia. Levando em consideração o preconceito e a democracia raciais como pressupostos desse tema podemos aprofundar a discussão que o envolve. Antes, porem, é preciso compreender alguns acontecimentos que marcaram a história da formação do povo brasileiro.
O nosso povo teve sua formação fundamentada em três bases étnicas continentais: Uma europeia especificada nos portugueses colonizadores, os brancos, outra africana formada pelos negros trazidos como mão de obra escrava e a dos índios nativos o nosso território. O processo formativo se deu por entrechoques classistas, raciais e Inter étnicos principalmente, que envolveram esses três contingentes – índios, brancos e negros – de forma altamente conflituosa. Todos esses conflitos, que se configuraram como força motora da história e da organização social brasileiras culminaram na supremacia dos brancos e consequentemente na subjugação de índios e negros.
O intenso contato étnico entre essas três matrizes originais possibilitou a aculturação e os cruzamentos inter-raciais. Uma espécie de caldeamento que misturou índios, negros e brancos, desde o período da colonização, e que resultou numa miscigenação da cultura brasileira. Podemos apontar como resultado desses cruzamentos inter-raciais o caboclo, mistura do branco com o índio, o mulato, mistura do branco com o negro, o cafuzo, do negro com o índio e o mestiço, como resultado descendente desses cruzamentos. A partir daí, dessa mistura de etnias, é que surgiu a ideia de que o mestiço, produto final desse caldeamento, fosse o elemento constitutivo da identidade nacional brasileira.
Essa miscigenação garantiria naturalmente uma unidade para nossa raça, que, composta por mestiços, teria necessariamente igualdade social e jurídica, a chamada democracia racial, consolidada no Brasil, na década de 1930.
Mas a coisa não é bem assim.
E aqui torno-me concordante com o pensamento do sociólogo Ronaldo Sales, da Fundação Joaquim Nabuco, quando este diz que a miscigenação não conduz à democracia racial porque, na prática, não cria uma categoria homogênea de mestiços, mas, sim, uma hierarquia de subcategorias pela qual quanto mais perto um indivíduo estiver da "matriz branca", maiores são suas chances de inclusão social.
Em verdade, o mito da democracia racial foi construído sobre uma integração subordinada, de maneira progressiva pela abolição da escravatura, pela proclamação da república e pela revolução de 30, como forma de calar os movimentos de luta negros. Atualmente este mito se manifesta nas formas de tratamento – não é negro, nem é preto, é afrodescendente. Nossa sociedade foi conduzida ao regime de cordialidade racial, o chamado regime assimilacionista, em que o negro vai perdendo sua identidade, já que sua negritude se dilui na branquização gradativa.
A discriminação racial saiu do geral para o particular. O racismo passou a ser entendido como preconceito isolado. Mas basta que um negro ascenda à classe social superior, como o novo emergente, o preconceito até então latente se manifesta e logo se diz: __ ele não é um de nós!
O negro foi estigmatizado pelo estereótipo racial. Se for negro é pobre ou marginal. E quando ele sobrepuja essa construção social perniciosa e se destaca num campo de ação historicamente pertencente ao homem branco, fatalmente vai ser classificado como “o negrinho que se deu bem na vida”.   E aí eu volto ao Ronaldo Sales, quando este afirma que “o estereótipo define, assim, um conjunto de expectativas socialmente estabelecidas e que visam à definição de situações cotidianas. É o que ele chama de demarcação racial. Isso faz parte de uma competência social. Essa demarcação até pode ser corrigida, no entanto a correção que se é feita em relação às pessoas negras, aponta para uma quebra de expectativa individual, classificando o negro que transpõe o estereótipo como uma exceção: Negro que venceu, negro bem sucedido... são os negros de alma branca. Para ele, “o conceito de miscigenação no Brasil é usado para validar o mito da democracia racial, tirando dos movimentos negros os argumentos para denunciar o racismo. Mais do que isso: em uma sociedade em que, em tese, não existe raça, racistas são aqueles que falam do racismo”.
A democracia racial até seria possível, mas como bem avalia Darcy Ribeiro, “só ocorrerá quando houver democracia social”. Ou há democracia para todos ou não há para ninguém.
Não é possível haver igualdade perante uma classificação cultural capaz de hierarquizar as raças em superiores e inferiores. Se fosse compreendida apenas pelo seu conceito científico teríamos uma postura democrática verdadeira, porque a ciência define raça como espécie, categoria, sem, contudo, atribuir-lhe distinções biológicas e/ou morfológicas. Raça nada mais é do que a condição humana.. Mas em nossa sociedade, infelizmente para negros, índios, pobres, homossexuais, os valores da nossa cultura não traduzem integralmente as ideias da nossa ciência.

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