sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Do Palco Nordestino

Zenóbio Oliveira

O amigo Antoinh de Zuza,
Com a voz rouca, abstrusa,
Me disse: ô meu cumpade!
Me lembrando do passado,
Me aperreei um bocado
Quase morro de saudade

Me lembrei daquelas farra,
Que ia ao quebrar da barra,
Na latada de midim.
Fiquei pensando comigo,
Onde andará meus amigo,
Valmir, Eilson, Bastim,

Chaguinha, Zé de Conrado,
Nonato, Peba, Nanado,
Guiné, Dário de Sotero,
Os cabra do cafundó,
Sidrônio, Nilson, Jacó,
E Joca de Zé rogero.

Os menino do Bonito,
Chiquinho de Benedito,
Ô cego desmantelado,
Jajá, Valdim, Lucival,
Toninho de Lourival,
Canindé, França, Pelado,

Augustim de Floriano,
Roberto, Paulo, Beano,
Neto, Gilson, Zé Maria,
Capão, Biba, Pirroleta,
Bia, Paulo de Leleta,
E o caba Antoin de Luzia.



E se juntava o magote,
Pegava o rumo do cote,
Com destino a Antoin Cotó,
Alisava nas meota
Deixava fiado a cota
E se esbaldava no forró.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Artigo



A obra inacabada ou o pedaço de estrada que virou qualidade de vida
Sérgio Farias
Jornalista


Bonito esse verbo: entardecer. É quando o sol muda de cor, o calor amaina e as famílias começam a chegar pra botar em dia outro verbo de rara beleza: conviver. A cena se passa no trecho inacabado do prolongamento da Avenida Prudente de Morais, conjunto Satélite. São pouco mais de 500 metros de asfalto que a comunidade elegeu como a mais nova área de lazer de um bairro onde os espaços urbanos são escassos, sem atrativos nem manutenção. Caminhar longe dos carros que formigam perto, é muito mais prazeroso. E a vista – um misto de dunas, mata e horizonte dourado – quase que nos obriga a dar o passo seguinte e depois o outro.  Saboroso também é ver as crianças nos seus ritos de iniciação: a lourinha na bicicleta rosa que cansada de pedalar, pergunta aos pais: por que ela não anda sozinha? Mais à frente, um garoto deixa escapar a frustração do primeiro passeio com a caminhonete movida por controle remoto:
– Aí, dancei. Todo mundo brincou com ela e agora a bateria arriou...
Problema que a menininha de cabelo comprido e laço de fita, toda exibida, no seu triciclo motorizado, ainda não sabe o que é.
Ali, naqueles dois traços de asfalto sem serventia oficial, a gente redescobre que a vida é mesmo feita de pequenos prazeres e também de eventuais decepções. Sem dramas. Como a vovó que sentada numa cadeira de praia, espia os netos jogando futebol e sorri satisfeita, talvez lembrando que não teve tempo de fazer o mesmo quando os filhos eram pequenos, porque estava ocupada demais com as coisas da casa...
Dizem que obras inacabadas são dinheiro público jogado fora, não servem pra nada.
Pois por obra e graça da necessidade e do prazer de estarem juntas, famílias da Cidade Satélite encheram de vida, cores e emoção, uma dessas obras condenadas ao escárnio popular. Dá uma vontade que ela fique assim, inacabada, a engenharia humana dando feições de felicidade mínima, ao que depois será como grafado como “novo caminho para o progresso” ou “grande corredor para o trânsito”.
Prefiro olhar para a mata e ver uma jacutinga empoleirada, a barbela vermelha, o olhar assustado, as penas escuras como que mimetizando a noite que cai. É como entrar por um portal dimensional e – numa fração de tempo – contemplar a natureza toda, intacta, nas asas negras de uma ave quase extinta. No fundo eu, as famílias, a jacutinga, as dunas e a mata, somos todos sobreviventes. 
  


Artigo

Luiz Inácio falou...
Marcos Bezerra, do Novo Jornal

“É mais fácil falar numa câmera de televisão com teleprompter escrito, tudo fácil. Outra coisa é meter o pé no barro, é conversar com o povo na periferia, é aguentar a Câmara de Vereadores”... E ninguém deu ouvidos.
O presidente foi tratado como intruso em terras potiguares e o discurso, proferido na Zona Norte de Natal, no já distante ano de 2008, virou munição a favor da então candidata Micarla de Sousa. Vitória consagradora no primeiro turno e, mesmo sem ter se negado a meter o pé no barro da periferia, nem fugido do contato com o povo, pelo menos enquanto ainda tinha popularidade para isso, temos uma administração que nem mesmo os mais ferrenhos adversários da pevista sonhavam.
Deixe fora os planos de cargos e salários dos servidores publicos e me aponte qualquer coisa de proveito que a atual administração de Natal tenha feito! Faltando menos de um ano para concluir o seu mandato, Micarla de Sousa corre o risco de não deixar sua marca em nenhum canto da cidade; o pior dos mundos para um político. Nem mesmo no que parecia fácil, com dinheiro federal assegurado, a gestão verde, inovadora no dizer da propaganda oficial, conseguiu andar. As obras de mobilidade para a Copa do Mundo de 2014, ao que parece, vão continuar no papel. Com elas, não é segredo, contava a prefeita para alavancar o projeto de reeleição. Mas, cadê competência para tocar os projetos?
O Governo do Estado, claudicante no início, pegou ritmo e garante ter pelo menos 30 dias de dianteira no cronograma de obras da Arena das Dunas, apesar das críticas recentes do secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke. Na verdade, ficou pouco claro se o chato de plantão se referia às obras de mobilidade. Possivelmente falava do conjunto e o lado capenga puxa para trás o que aprendeu a andar. Do Centro Administrativo já saiu mais de um recado, através de aliados políticos de peso, para o Município abrir mão da administração das obras de mobilidade. Li em algum lugar – a internet é farta de versões – que a resposta da prefeita foi oferecer ajuda ao Governo, depois que este andou se enrrascando com o SIAFI. Para completar este cenário surreal, um dirigente do Partido Verde dá entrevista reclamando da manipulação da opinião pública contra a gestão da Borboleta.
Como os números são difíceis de divisar, para quem está mais preocupado com o volante, não me animo a checar a data diariamente. Sei que faltam oitocentos e tantos dias para a Copa do Mundo de 2014. O tal relógio, no canteiro do viaduto de Ponta Negra, é hoje a maior contribuição do Município para a Copa. Tem outra: o boneco gigante, logo ao lado, segurando uma bola e lembrando que se a Copa é para o mundo, as obras de mobilidade são para Natal... Luiz Inácio avisou.


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Rimando

Já passando de meia noite e meia,
Estou insone e sem perspectiva,
A TV não está convidativa,
E ninguém pra falar da vida alheia,
A rede de dormir me aperreia,
A outra rede está fora do ar,
Pra cima e pra baixo, lá e cá,
Cansei e consegui adormecer,
Mas passei a noite sem saber,
Se Luíza voltou do Canadá.

sábado, 21 de janeiro de 2012

VERBO AD VERBUM

O menino que comia pastel
Zenóbio Oliveira

A padaria burburinhava. O balconista tentava a todo custo ordenar os pedidos da clientela afobada. Do lado de fora, um garoto andrajoso, comia um pastel, sentado no batente abrasado da porta, totalmente apartado daquela situação aborrecida. A absorção do olhar espichado no acepipe denunciava a esfomeação de um jejum prolongado. Fome é bicho desgraçado. Deixa o sujeito ensimesmado diante do alimento que devora. O menino tentava, simplesmente, matar quem lhe matava. Certo que aquele bocado não representava uma refeição adequada para o sustento de um dia inteiro, mas era sua tábua de salvação no momento, o que já justificava o ato de voracidade.
Diante da cena, pus-me a imaginar os desperdícios das comilanças nos salões abastados. O filme da lembrança se misturava à realidade presencial dos meus olhos, numa exposição patética da desigualdade humana. Repugnei de pronto todo àquele discurso hipócrita que alardeia a cidadania. Perante situações desse tipo, nota-se que essa história de que a criança é o futuro não passa de jargão elitista de um país sem futuro.
Toda essa conversa de garantias estatutárias dos direitos infantis serve tão somente para preencher os espaços das estantes palacianas.  As crianças famintas, drogadas e prostituídas que enchem nossas ruas, são a verdade cruel de um hoje que pode não avistar o amanhã.
O menino acabou o petisco e a expressão do rosto pedinchão denotava seu estado de insaciabilidade. Ofereci-lhe então mais alguns pastéis. Ele enfiou-os pelos bolsos, manchando de olho a bermuda já surrada. Perguntei se não iria comê-los. Disse que mais tarde, quando se juntasse às suas duas irmãs. Caminhou pela calçada, parou mais adiante, virou-se, agradeceu e seguiu rua acima até sumir na curteza da minha visão.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Artigo

Vira-latas

Marcos Bezerra, do Novo Jornal

Tubarão, Rex, Baleia, Jorli, Jupira, Rompe Ferro e outros da raça estão ameaçados de vida no sertão potiguar. Tomei ciência do assunto por tio Bertino, mal botei os pés em Janduís. A cidade faz parte do meu roteiro de férias que, invariavelmente, não vai além das divisas do Rio Grande do Norte. Culpa da grana, que ergue e destrói coisas belas, mas que, no meu caso, não tem a força da letra que Caetano canta. Tivesse e eu trataria de dar outro destino a Jorli. Foi o nome que escolhi para batizar um cachorro vira-latas, habitante, em meio a tantos outros, das ruas da pequena cidade do médio-oeste potiguar. E por que escolhi Jorli? Pela distinção do personagem, maior e mais velho que a média e portador, além de sarnas e carrapatos, de uma espécie de papada, que lhe conferia um ar um pouco mais sisudo. Deve ser alguma doença da idade, mas preferi definir que o bicho tinha uma juba para nomeá-lo, em seguida, soberano deste reinado sem honras e com as horas contadas para acabar.



Consta que a sexta-feira 13 era a data marcada para a passagem da carrocinha em Janduís. Coisa nova na cidade, onde a maioria das famílias cria gatos ou cães, ou os dois juntos. Na casa da minha prima Bibia, por exemplo, tem um cachorro e 14 gatos. Sheik, o cachorro, é o xodó da casa, os bichanos são filhos de uma gata que ela trouxe de Mossoró para combater uma peste de ratos. Coração bom que é não teve coragem de soltar nenhum no mato. “Mais vale o gato do que o rato, não é?”, questiona justificando a bicharada.



Não sei se os homens da carrocinha vão investir no controle da população de gatos, ou apenas os cães estão na berlinda. Os moradores foram avisados para prender os bichos; os que estiverem na rua serão recolhidos e sacrificados. Não ficou claro como e onde isso ocorrerá, já que a cidade não tem um centro de controle de zoonoses. Certo é que, de tantos, os cães vadios viraram um problema de saúde pública e a população, apesar do gosto pelos animais, parece ter entendido que alguma medida precisa ser tomada.



Em volta da praça, onde duas lanchonetes respondem por todo o movimento noturno da quinta-feira na cidade, quatro vira-latas dão plantão perto da gente à espera de restos de comida. Escolho o candidato certo à ação da carrocinha... “Jorli, hoje você vai ter um tratamento digno.”



Uma coxa de frango, “Pai, você não precisa tirar a carne!”, reclama meu companheiro de viagem; pedaços de carne e, para finalizar, outro bom pedaço de frango que desistimos de comer – eu, meu filho e um primo – em benefício do velho cão. Deixamos o lugar com o animal sentado sobre as patas traseiras e o mesmo olhar pidão. Tentei saber depois, mas não tive notícias da carrocinha. Para Jorli, pedi um bom lugar no céu dos cachorros.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

DESAFIO

Aproveitando um mote do amigo Hélio Crisanto, lá de Santa Cruz, lanço aqui um desafio aos poetas oestanos. Todos podem participar através dos comentários ou do e-mail: zenobiochico@hotmail.com.

O mote é o seguinte:

ISSO É SÓ UM COMPLEMENTO
DA MINHA BIOGRAFIA.

Podem mandar que será publicado. 



Já brinquei com roladeira,
De lata de leite Ninho,
Matei muito passarinho,
De espingarda e baladeira,
Levando sol e poeira,
Vez por outra adoecia,
O remédio mãe fazia,
Com reza, chá e ungüento,
Isso é só um complemento,
Da minha biografia.


Eu já pesquei de caniço,
Traíra e tucunaré,
Peguei preá de mondé,
Já roubei mel de cortiço,
Eu pulava o passadiço,
Da cerca dos malaquia,
Tirava o mel e bebia,
Ficava todo preguento,
Isso é só um complemento,
Da minha biografia.

Nessa vida de caipira,
Já sofri que só o diabo,
Nos anos de estio brabo,
De fome e de ziguizira,
Era pão de macambira,
A coisa que eu mais comia,
Se não comesse morria,
Nos braços dum passamento,
Isso é só um complemento,
Da minha biografia.

Zenóbio Oliveira.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Artigo

Identidade e cultura nacional


          A construção de uma identidade nacional corresponde obrigatoriamente à compreensão histórica e à forma como o povo de um país interage perante suas diferenças. No caso do Brasil, à interação sócio-cultural entre sua três raças formadoras: o índio nativo, o português invasor e o negro trazido da áfrica como mão de obra escrava no período da colonização. O povo brasileiro foi formado pelo entrechoque dessas três etnias básicas, de caráter altamente conflituoso, e que culminou com a supremacia do português colonizador.
          Darcy Ribeiro, em sua grande obra, O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, aponta três modalidades de conflitos nesse processo: os inter-étnicos, os raciais e os classistas.
          Os conflitos de sucessão ecológica, de caráter inter-étnico, entre os índios, autóctones do território, que não aceitavam outra forma de existência que não a sua e os colonos invasores, que almejavam estabelecer um novo modelo de economia e sociedade; outro conflito, também inter-étnico, foi o da guerra dos Cabanos, que se deu pelo confronto dos povos antigos da Amazônia, os neo-brasileiros, já que não eram mais índios, mas que desejavam viver com autonomia, e a classe dominante formada por luso-brasileiros, que objetivavam ocupar outras áreas do país.
         Nos conflitos raciais, em que os negros se vêem obrigados a lutar pela liberdade contra as discriminações que sofrem e outras tantas formas de rejeição que lhes são impostas, o exemplo mais importante é Palmares, onde os negros fugidos tentavam implantar um modo de vida baseado na economia solidária e na igualdade social.
          Um terceiro tipo de conflito são os enfretamentos classistas que colocam, de um lado, os donos de terras e bens de produção, predominantemente brancos e do outro, os trabalhadores, em sua maioria, mestiços e negros. O exemplo mais expressivo dessa modalidade de luta é a guerra de Canudos em que sertanejos liderados por Antonio Conselheiro pretendiam enfrentar a ordem social vigente, contra os interesses do latifúndio. Os conflitos étnicos continuados se configuraram como o motor da história e da organização social do Brasil.
          Outro aspecto que contribuiu na formação social do nosso povo foi o econômico. Quatro ordens de ação empresarial, distintas em suas funções e rendas e de recrutamento de mão de obra variado. A empresa escravista, na produção de açúcar e mineração, com mão de obra escrava, a comunitária jesuítica, produzindo mercadorias para o comércio local, a produtora dos gêneros de subsistência, microempresas de elevado alcance social, que usavam mão de obra indígena, e a mais lucrativa de todas, a do setor de importação e exportação, de banqueiros, armadores e comerciantes. Atuava na intermediação entre o Brasil, a Europa e a África, se configurando como o grande impulsionador da civilização ocidental, pelo imenso número de povos que mobilizou.
          As burocracias civil, militar e eclesiástica, hegemônicas da sociedade, formavam a cúpula empresarial solidária com a mercantil, frente às ameaças aos seus interesses. Para Darcy Ribeiro, essa classe dominante, a qual chamou de “enpresarial-burocrático-eclesiástica”, era agente de sua própria prosperidade, embora tenha atuado também, subsidiariamente, como reitora do processo de formação do povo brasileiro.
          O povo brasileiro, portanto, é um produto dos contatos étnicos, raciais e classistas ao longo de sua história. Essa miscigenação a que foi submetido originou o mestiço, revelado como o ser nacional. No entanto, mesmo que seja possível identificar mais de uma identidade cultural no Brasil, não há, de forma peremptória, uma definição de sua identidade nacional, que permanece latente, ofuscada pelo preconceito racial e pela distancia social entre seu povo. Mesmo que exista uma perspectiva futurista de que nossa sociedade assuma uma postura cultural mestiça, para que a nossa identidade possa se manifestar, é preciso diminuir o abismo social que separa ricos de pobres e brancos de negros e de índios. A nossa identidade depende do equilíbrio harmônico entre as raças, mas muito mais, de igualdade e justiça sociais.