domingo, 8 de janeiro de 2012

Artigo

Identidade e cultura nacional


          A construção de uma identidade nacional corresponde obrigatoriamente à compreensão histórica e à forma como o povo de um país interage perante suas diferenças. No caso do Brasil, à interação sócio-cultural entre sua três raças formadoras: o índio nativo, o português invasor e o negro trazido da áfrica como mão de obra escrava no período da colonização. O povo brasileiro foi formado pelo entrechoque dessas três etnias básicas, de caráter altamente conflituoso, e que culminou com a supremacia do português colonizador.
          Darcy Ribeiro, em sua grande obra, O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, aponta três modalidades de conflitos nesse processo: os inter-étnicos, os raciais e os classistas.
          Os conflitos de sucessão ecológica, de caráter inter-étnico, entre os índios, autóctones do território, que não aceitavam outra forma de existência que não a sua e os colonos invasores, que almejavam estabelecer um novo modelo de economia e sociedade; outro conflito, também inter-étnico, foi o da guerra dos Cabanos, que se deu pelo confronto dos povos antigos da Amazônia, os neo-brasileiros, já que não eram mais índios, mas que desejavam viver com autonomia, e a classe dominante formada por luso-brasileiros, que objetivavam ocupar outras áreas do país.
         Nos conflitos raciais, em que os negros se vêem obrigados a lutar pela liberdade contra as discriminações que sofrem e outras tantas formas de rejeição que lhes são impostas, o exemplo mais importante é Palmares, onde os negros fugidos tentavam implantar um modo de vida baseado na economia solidária e na igualdade social.
          Um terceiro tipo de conflito são os enfretamentos classistas que colocam, de um lado, os donos de terras e bens de produção, predominantemente brancos e do outro, os trabalhadores, em sua maioria, mestiços e negros. O exemplo mais expressivo dessa modalidade de luta é a guerra de Canudos em que sertanejos liderados por Antonio Conselheiro pretendiam enfrentar a ordem social vigente, contra os interesses do latifúndio. Os conflitos étnicos continuados se configuraram como o motor da história e da organização social do Brasil.
          Outro aspecto que contribuiu na formação social do nosso povo foi o econômico. Quatro ordens de ação empresarial, distintas em suas funções e rendas e de recrutamento de mão de obra variado. A empresa escravista, na produção de açúcar e mineração, com mão de obra escrava, a comunitária jesuítica, produzindo mercadorias para o comércio local, a produtora dos gêneros de subsistência, microempresas de elevado alcance social, que usavam mão de obra indígena, e a mais lucrativa de todas, a do setor de importação e exportação, de banqueiros, armadores e comerciantes. Atuava na intermediação entre o Brasil, a Europa e a África, se configurando como o grande impulsionador da civilização ocidental, pelo imenso número de povos que mobilizou.
          As burocracias civil, militar e eclesiástica, hegemônicas da sociedade, formavam a cúpula empresarial solidária com a mercantil, frente às ameaças aos seus interesses. Para Darcy Ribeiro, essa classe dominante, a qual chamou de “enpresarial-burocrático-eclesiástica”, era agente de sua própria prosperidade, embora tenha atuado também, subsidiariamente, como reitora do processo de formação do povo brasileiro.
          O povo brasileiro, portanto, é um produto dos contatos étnicos, raciais e classistas ao longo de sua história. Essa miscigenação a que foi submetido originou o mestiço, revelado como o ser nacional. No entanto, mesmo que seja possível identificar mais de uma identidade cultural no Brasil, não há, de forma peremptória, uma definição de sua identidade nacional, que permanece latente, ofuscada pelo preconceito racial e pela distancia social entre seu povo. Mesmo que exista uma perspectiva futurista de que nossa sociedade assuma uma postura cultural mestiça, para que a nossa identidade possa se manifestar, é preciso diminuir o abismo social que separa ricos de pobres e brancos de negros e de índios. A nossa identidade depende do equilíbrio harmônico entre as raças, mas muito mais, de igualdade e justiça sociais.


Nenhum comentário:

Postar um comentário