quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Artigo


Cascudo fez falta
Marcos Bezerra, do Novo Jornal

Acho que já escrevi isso aqui, mas a memória pouca não me dá certeza. Por esses dias vou tirar minha carteira de estudante. Não fiz no fim do ano passado porque o documento teria pouco tempo de validade e eu queria o novo.
Dá uma alegria besta ter voltado à sala de aula para fazer uma especialização em Literatura e Arte do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses. No início nem sabia de onde ia tirar o dinheiro para pegar a mensalidade, mas  mandei um e-mail para mim mesmo com o título: “o que eu quero”. E vou me virando com um ou outro boleto atrasado.
Virei um aluno  mais participativo do que fui na escola e só depois do retorno, mais de 20 anos depois, à UFRN, é que fui descobrir minha ignorância sobre a literatura potiguar. Não me ensinaram isso no ensino médio e muito menos na faculdade.
Somente fui apresentado recentemente ao poeta Jorge Fernandes, nosso primeiro modernista, e que muito me impressionou pela qualidade de seus versos. Outros nomes, como Auta de Souza e Nísia Floresta, conhecia mais de ouvir falar. Também não sabia que Henrique Cartriciano tinha sido, além de educador, poeta. E Câmara Cascudo, por que ninguém disse na escola que ele também tinha feito algumas poesias, como esta, publicada no Jornal do Comércio de Recife em 1925?
Kakemono

Deixa, meu fino lírio japonês
Que o vento ulule fora da vidraça.
Tens o corpo sonoro de uma taça
E o teu quimono
Que envolve tua cinta esguia e fina
Dá-te um ar de princesa de neblina
Num castelo de outono...
Bem vês
Que o vento ulula fora da vidraça
E a chuva passa
Para ver-te, meu lírio japonês...
Gostei do que li estudando, mas acho que o mestre exagerou em “Não gosto de sertão verde”. Talvez porque ele não vivia no sertão, para onde ia apenas passar férias. Quem viveu o semiárido em seus períodos de seca sabe que aquela paisagem ressequida pode até guardar alguma beleza, mas é nada comparada ao sertão cheio de vida quando a chuva dá o ar da graça, em quantidade suficiente para correr e juntar água. Mas, ao poeta, a liberdade.
Consta que, enfurecido com a sugestão de Mário de Andrade de fazer modificações em sua obra poética e até duvidar da autoria, Cascudo teria desistido do gênero literário. Uma pena. O mestre teria dado a visibilidade que a poesia potiguar merece.

Dois dedos de prosa


Viva a zona
Marcos Bezerra, do Novo Jornal

A zona baixou para os lados do sertão e fez a festa de quem andava sedento. Por esses dias, não há lugar melhor no mundo para estar senão por sob a zona. 
Se, no início, ela fazia mistério, lá do alto a olhar os que clamavam pela sua presença sempre promissora, e que já se desesperançavam por não tê-la, agora baixou liberando as convergências, esfregando seu frescor e cheiro de coisa molhada nas nossas ventas. 
Suas quengas mais vistosas vieram de lá para cá como que querendo mostrar as intenções úmidas. As outras, com caras e trejeitos de boas moças, vestidos brancos, quase transparentes, foram afugentadas. Ficaram as de vestidos azul intenso, puxando para o negro. 
Jogaram, e continuam jogando, seus líquidos sobre a caatinga ressequida. 
Viva a Zona de convergência intertropical e suas nuvens carregadas. O sertão está em gozo.  

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Poesia nordestina

Aqui morava um rei
Ariano Suassuna

Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.

Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Música Potiguar

Vazante
Camilo Henrique e Hélio Crisanto



No sertão quando a seca é causticante,
E o sol escaldante seca o mato,
Não se ver água franca no regato,
Nenhum talo verdoso na vazante.
Não há ave na terra que não cante,
Agourando com o canto o padecer,
E o caboclo cansado de sofrer,
Vende a terra e busca outra morada,
No rachão da lagoa esturricada,
Vejo um grilo cantando pra chover.

A barbárie da seca causa espanto,
Gado morto, crianças moribundas,
As cacimbas sem água, já profundas,
Urubus revoando em cada canto.
Sertanejo cansado verte o pranto,
Esquecido e sem ter o que comer,
Não desiste da luta e quer vencer,
As mazelas da vida flagelada,

No rachão da lagoa esturricada,
Vejo um grilo cantando pra chover.

Quando a chuva se deita na campina,
O sertão se renova satisfeito,
Nasce um pé de esperança no roçado,
Faz chover na vazante do meu peito.

A caatinga peleja agonizante,
Precisamos transpor o São Francisco,
Pois a terra sedenta corre o risco,
De um colapso fatal e humilhante.
Nosso grito a cada governante,
O Nordeste não pode perecer,
Nossos olhos cansados de se ver,
Mais um ano que vem com estiada,

No rachão da lagoa esturricada,
Vejo um grilo cantando pra chover.

Rimando


Imperativo
Zenóbio Oliveira

Seja livre, que o sol da liberdade,
Que fulgura em teu céu de cada dia,
É a chama da fé que te alumia,
Com raios de justiça e igualdade!

Seja feliz, que a felicidade,
Que reveste teu sonho de alegria,
É a flor lirial que te atavia,
Com as cores da paz e da bondade!

E assim me disseram, dessa forma,
Pra ser livre e feliz segundo a norma,
Da suprema convencionalidade,

Na inércia da abúlica paciência,
A ideia da alheia consciência,
É-me o único modelo de verdade.