quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Crônica

Ô bicho feio!
Zenóbio Oliveira

O garoto chorava baldes. E era aquele choro lamentoso, sonorizado, de uma plangência trepidante.
Perguntei-lhe o motivo do pranto.
__ A menina me chamou de bicho feio!
A expressão não saiu assim de carreirinha, lógico, veio como um lamento soluçado, ruim de entender.
Até pensei argumentar-lhe a cerca da irrelevância da beleza. Mas, como persuadir uma criaturinha de tão tenra idade com historinhas de que “beleza não põe mesa”, “não é fundamental” e que importante mesmo é aquela da alma? Como? Se numa sociedade extremamente voltada à cultura do belo, nem os longevos dão fé a essa conversa fiada? Melhor convencer ateu da existência de Deus.
Poderia lhe dizer também que a beleza é relativa, que alguém, em algum lugar desse mundo lhe acha bonito, pelo menos sua mãe. O que, alem de ser verdade, ainda lhe serviria de lenitivo perante essa injustiça da natureza.
Nada disse.
Apenas observei o menino, lembrando ensimesmado, de quantas vezes fui chamado de bicho feio. Nunca chorei, é certo, mas talvez por ter a certeza absoluta da minha condição desfavorável. A formosura em mim sempre esteve ausente, mas também nunca foi um obstáculo determinante na minha trajetória. Sempre fui chamado à vera nessa vida pra fazer valer outros atributos mais substanciosos, por assim dizer.
A dor moral, o ressentimento, a angústia, a tristeza, o rancor, ou qualquer outro tipo de mal que lhe atribule agora, o tempo há de aquietar.

De resto, torço para que um dia alguém, alem de sua mãe, lhe ache belo, que a vida lhe conceda toda a sabedoria para conviver com essa e outras circunstancias. Talvez compreenda, por exemplo, que definitivamente não é o modelo do prato, que tempera o feijão.