quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Tintim por tintim


O MESQUINHO E A BELEZA ANÔNIMA
Fabiano Regis  é  Radialista.

O trote universitário, segundo pesquisadores, teve a sua origem na Europa, na Idade Média e chegou ao Brasil por volta dos anos 1800, quando surgiram as primeiras faculdades, com grande influência de Portugal. No apagar das luzes do ano de 2012, a Avenida Presidente Dutra voltou a ser palco desta mácula que perdura no seio da cultura acadêmica brasileira por mais de dois séculos. É importante ressaltar que o resultado do vestibular aguça o ego de quem tem o nome na lista dos aprovados. Sabendo disso, os organizadores do trote que se imaginam superiores, aproveitam o momento de deslumbramento de alguns para colocar em prática um escárnio que se aproxima aos moldes medievais. O “trote pedágio”, por exemplo, aquele em que os calouros são obrigados a pedir dinheiro nos semáforos aos motoristas e só terminam a tarefa quando atingem o valor estipulado pelos veteranos, é uma prática recorrente por aqui.
Na primeira semana de dezembro eu parei num sinal e uma moça caminhou em minha direção. Ao aproximar-se, observei que o produto misturado com tinta que lambuzava o seu rosto, não era forte o suficiente para ocultar tanta formosura. A caloura ainda cheirando a adolescência estirou a mão e mendigou: “me dê uma moeda!” De pronto eu disse: “não”.  A minha negativa se justifica pelo fato de que a moeda pretendida serviria para financiar a farra de um grupo de veteranos, que estava bem acomodado à sombra de uma árvore, do outro lado da pista. A bela estudante ouviu o meu “não”, e com serenidade continuou a sua andança entre os carros, sob o olhar sádico dos organizadores do trote.           
A zombaria estudantil, seja ela realizada dentro ou fora do muro da universidade, suscita algumas questões que a meu ver, interessa a muita gente: o que leva alguns calouros a submeterem-se a situações vexatórias e constrangedoras, como sendo uma simples “brincadeira” ou “tradição”? Será a garantia de não serem excluídos do grupo e perseguidos pelos veteranos, ou a exibição pública do seu novo status? O que acham os líderes de entidades estudantis sobre a mendicância festiva nos sinais de trânsito, praticada pelos seus liderados? E os gestores das universidades, como vêem o nome e o endereço das instituições sendo coadjuvantes deste espetáculo medíocre?
A postura deselegante e mesquinha de minha parte, ao negar uma moeda para aquela beleza anônima, foi por entender que a aprovação no vestibular não deve ser motivo de constrangimento, mas a celebração de uma conquista: a inserção do jovem na universidade, no papel de agente transformador da sociedade.


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Palavra por palavra


Penso, logo existo

Marcos Bezerra, do Novo Jornal


Tuitei ontem a hashtag: #MexeuComlulaMe-xeuComigo. E foi a primeira vez que aderi ao tal #. O pessoal dos blogs sujos estava tentando fazê-la chegar ao trending toppings do Brasil, mas o que me moveu mesmo foi a constatação de que quando mexem com Lula, realmente mexem comigo – e com todas as pessoas que levantam a voz para defendê-lo.
Alguma dúvida? Você não questionou o primeiro petista, militante ou simpatizante, que encontrou pela frente quando foi deflagrada a Operação Porto Seguro? E não repetiu a dose com o vazamento de um novo depoimento de Marcos Valério à Procuradoria Geral da República?
Claro que, se suas ideias estão à esquerda como as deste escritor de 90 linhas por semana, é você o inquirido.
Cadê que perguntam do evento que o Instituto Lula promoveu em Paris com a Fundação Jean Jaurès, do Partido Socialista francês. Desse encontro saiu um manifesto que Luis Nassif, uma de minhas leituras preferidas, considerou como “O anti-consenso de Washington”, onde “convocam-se instituições, fundações e demais entidades ligadas à socialdemocracia para definir um novo modelo de governança global, baseado na experiência brasileira pós-crise de 2008”. O Brasil servindo de modelo para governos progressistas e nenhuma linha em nossos jornais, cujos repórteres estavam mais interessados em fustigar o ex-presidente sobre o que Valério requentou.
Sobre o Prêmio Internacional recebido na Espanha pelos resultados conquistados em seu governo no combate à pobreza e à desigualdade vencendo, por unanimidade, 177 candidatos de 57 países, igualmente nenhum destaque. Só ataques.
Até Carlinhos Cachoeira já percebeu como ganhar o apoio da mídia nativa. O contraventor andou prometendo virar o “Garganta Profunda” do PT, numa referência ao delator do caso Watergate, que provou a renúncia do presidente americano Richard Nixon. Os colunistas, que em nenhum momento parecem ter estranhado o fato de um mesmo juiz ter concedido dois habeas corpus ao “empresário”, estão esfregando as mãos. Alguém tem dúvida que tudo o que Cachoeira disser vai ser tomado como verdade absoluta?
Dizem que a ofensiva só termina com o fim do mito do metalúrgico que virou presidente. Tá difícil. A maior aliada dele acaba de receber 78% de aprovação popular em pesquisa CNI/Ibope. Ela também deve ter tuitado a hashtag de Lula.

Poesia Brasileira

Espera 

J. G. de Araújo Jorge


Se tivesses mandado uma palavra -”Espera”-
Sem mais nada…nem mesmo dizer até quando
eu teria ficado até hoje esperando
era a eterna ilusão de que foras sincera.

Que importaria a vida, o sol, a primavera,
se tu eras a vida…o sol…a flor desabrochando…
se tivesses mandado uma palavra -”Espera”-
eu teria ficado até hoje esperando.

Não mandaste…tu nada disseste e eu segui,
sem saber que fazer da vida que era tua,
procurando com o mundo, esquecer-me de ti.

Porém, o destino, irônico e mordaz,
ontem fez-me cruzar com teu olhar na rua,
ouvir-te dizer -”Espera”- e ser tarde demais…-

Poesia Nordestina



De Quem É Aquele Canto!
Daudeth Bandeira

Quem é aquele que canta
no som do vento da serra,
na melodia da chuva
molhando o corpo da terra.
Quem é aquele que canta
a feira de Caruaru,
as bravas pegas de bois
nos campos do Pajeú;
o trovão, pai da coalhada,
o aviso do carão,
o lamento do anu,
É LUIZ REI DO BAIÃO!
Quem é aquele que canta
a gargalhada do rio
São Francisco recebendo
o Riacho do Navio.
Quem é aquele que canta
os aboios do rodeio,
o leito do rio seco,
a onda do rio cheio;
a comunhão dos compadres
nas fogueiras de São João,
os balões cortando o céu,
É LUIZ REI DO BAIÃO!
De quem é aquela voz
que docemente revela
o bucólico rangido
e a batida da cancela;
o tropel cadenciado
do cavalo galopeiro,
a percussão do chocalho
na garupa do vaqueiro;
o grasnar da bicharada
nas margens do ribeirão,
é a voz enternecida
DE LUIZ REI DO BAIÃO!

sábado, 24 de novembro de 2012

Dois dedos de prosa


Citações
Marcos Bezerra, do Novo Jornal

Não costumo usar citações nos meus parcos escritos de linhas retas e ideias tortas. Talvez pela ignorância assumida, mas também pela absoluta incapacidade de extraí-las de minhas leituras. Não me lembro de ter lido muitos clássicos e os poucos que li, não os fiz com papel e caneta para anotar as citações. A memória falha até mesmo na lembrança do que dizem os livros, quanto mais em frases isoladas?! 
Pescando no meu cérebro de grandes proporções, no exato momento em que tento vencer esta coluna em branco, vou lembrar de duas citações. 
A primeira e mais recente citação é do Livro do Desassossego, atribuído a Bernardo Soares, um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa. Soares era um humilde ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa, onde vivia sozinho, morando num quarto, entre feliz e triste por estar empregado: “Amo em todas as pessoas o não ser eu”. 
No livro, que reúne fragmentos da obra do poeta português, o organizador admite que alguns poemas e frases podem ser atribuídos ao próprio e não ao heterônimo. De qualquer maneira, considerando que foi Pessoa quem escreveu o livro, dá para se concluir que ele era mesmo uma mente tão genial quanto perturbada. A frase é válida para destacar tais condições e lembrar que, em tempos de autores de auto-ajuda vendendo milhões de exemplares com seus textos ensebados, o poeta português seria execrado. 
A segunda citação é da personagem Tieta, do livro Tieta do Agreste, de Jorge Amado, quando ela mal retorna do velório do pai e já chama o sobrinho Ricardo, com quem tinha um caso amoroso, para fornicar: “Luto de boceta é curto”. 
Não lembro quantas vezes usei a imaginação e a mão direita com esta frase... Vale esclarecer, num tempo em que  fotografia de mulher pelada era algo muito distante do universo dos meninos que chegavam à puberdade. Senti-me menos devasso no dia em que conversei com um colega jornalista, bom de prosa, e ele também confessou o uso deste artifício. 
Mas as citações estão aí e, certamente, facilitam a escrita e dão um ar de erudição ao texto. O meu, por pobre, contém normalmente frases de personagens populares que encontrei nos caminhos da vida e que cito nas minhas crônicas; outras que falei ou escutei e depois atribuí a personagens fictícios de meus minicontos. 
A liberdade poética permite, posso até torná-los (os personagens) cultos, cuspindo frases de sapiência. Uma busca no Google, que resolve qualquer problema de mente confusa, e  descubro mais de um site dedicado a citações. 
“Amor: uma perigosa doença mental”. Platão. Prefiro os personagens desbocados de Jorge Amado, que se apaixonam, amam sem medo e não se arrependem. Quem leu, sabe. Eu li e tento fazer o mesmo na minha incipiente literatura.

domingo, 18 de novembro de 2012

Palavra por palavra


CONCERTO E DISSONANTE
Genildo Costa


Nunca fui de subestimar os ensinamentos de nossos sábios pensadores. Eles, sem dúvida, não morreram de overdose. Estiveram sempre atentos e, quando saíram de cena, deixaram a tolerância, a humildade, o amor ao próximo, como parâmetros indispensáveis para a formatação do processo civilizatório. Creio que houve tempo de sobra para, desses ensinamentos, celebrar com sucesso o  inevitável espetáculo da vida.
Tenho tido, basicamente, prudência para não tornar-se intransigente e, nem tampouco, criatura de múltiplas facetas. Acredito, muito mesmo, que é possível de ser ter o mínimo de compreensão quanto a nossa milenar tarefa de continuar acreditando que ainda haverá tempo de pensar uma nova proposta de humanidade onde a vida possa ser contemplada em toda sua plenitude.
Como seria, então, o conteúdo programático dessa nova empreitada? imagino como haveria de ser, reinventar essa possibilidade de não mais ter que sacrificar o outro quando da busca de nossas comodidades. Creio que buscar subsídios para reencontrar-se pela palavra é, simplesmente, correr o risco de ser reincidente. O que se propõe é muito mais que uma releitura de tudo que aprendemos no curso de nossas vidas. O expediente de agora é de profunda perplexidade. É o devir. O ajustar-se. O não ser mais. O que nos aguarda pode ser a última oportunidade reservada para o exercício, urgente, da depuração.
Aos que antecederam ao estágio superior da barbárie, todos saíram de cena. Alguns, esporadicamente, lembrados. Outros, há tempo que transitam pelos corredores do ostracismo. Mas, sem dúvida, não se negaram a se expor com suas idéias. Fizeram-se de homens. Pagaram um preço muito alto por saber definir critérios que os levariam a outros parâmetros de civilidade. Por sinal, de convivência humanitária. Alguns desses renomados pensadores construíram a vanguarda da manutenção do status quo e a defesa intransigente da perpetuação da ordem. Da conciliação de interesses. Ou seja, é o antagonismo. O confronto das idéias. O conflito, motor da história, peça fundamental desse imenso teatro onde todos exercem, distintamente, diferentes papéis nesse tablado de ininterruptas batalhas. Que seja a nossa teimosia um mal necessário. Não tenho dúvida de que vamos ter que aprender um pouco mais para não cometer os mesmos equívocos. As mesmas contradições.
Muito oportuno a nossa quase permanência diária de se ver. De aproveitar o Estado democrático de direito com serenidade e elegância, até. Imagino que as palavras não são tão ácidas, apenas carregam consigo a ternura de alguns descaminhos que certamente nunca vou ter o privilégio e a alegria de refazê-los. Não tenho pressa. Ando taciturno. Não perdi, absolutamente, nada. Tudo outra vez sem ter que minimizar o tamanho do entusiasmo que tenho sempre quando vejo passar em pesadelos todos os dobrados e dissonantes da banda de minha revolução.














quinta-feira, 15 de novembro de 2012

VERBO AD VERBUM


Noel num vem
Zenóbio Oliveira

Im todo ano é igual
Se aprochegando o Natal
Já começa o farnizim
De avistar Papai Noel
Espirrar no meio do céu
E arrisca é dele num vim

Liás, aqui nunca vei
Esse homi de vermei
Cum saco chei de brinquedo
Só se vê mermo im retrato
E os minino do mato
Só fica chupando os dedo

Me diga, o caba que veve
Nas frialdade das neve
No mei daquelas lonjura
Que diabo vem vê pra cá?
Só se for pa esturricar
No oco dessa quintura

Ele num vem nem a pau
Um caba internacional
Um lorde da Escandinava
Custumado cum sarmão
Vai vim bater no sertão
Pra cumer preá cum fava?

Só se ele for bocó
Pra vim naquele trenó
Que nem pneu num pissui
Se nas estrada da roça
As vez inté as carroça
Se ingancha nos pidrigúi!?

Inda duvido tombem
Que os animá que ele tem
Nesses camim lhe carregue
No mei desses carrapicho
Só sendo que aqueles bicho
Vai ter os casco dum jegue

O natal de nossas banda
Num tem os carrim que anda
Nem robô que conta estora
Num tem trenzim que apita
Nem as buneca bonita
Que dorme, que fala e chora

Nós tem buneca de trapo
Feita de tira e fiapo
Dos retaizim de rayon
Tem pião de aruera
E a mió roladera
De lata de mucilon

Nós tem buneco de barro
Tem as nota de cigarro
E os cachorro de areia
Tudo coisa de arremedo
Foi num foi se esfola um dedo
Chutando bola de meia

Vamo dexar de ilusão
Que o véi da televisão
Cum baiba branca na cara
Vistido de incarnado
É um atô custumado
A inganar babaquara

Não vá pensar que é quexume
Inveja, raiva, ciúme
Ou coisa de quem fuxica
Mais eu lhe digo: se aquete
Que esse veim da charrete
Só é pai de gente rica











Soneto


PAPAI  NOEL
Lenelson Piancó


Chamar-te de pai, porque deveria?
Se nem me criou nem é natural
Se apenas um dia por ano é natal
E pai que é pai, é pai todo dia

Chamar-te de pai, não sei se seria
Ao meu pai afronta do tipo "moral"
Pois pai de verdade não manda postal
Nem rouba dos filhos os sonhos que cria

Escrevo esta carta para lhe rogar
Escolha a criança sem pai pra adotar
Lhe dê um presente; a dignidade!

Nenhuma criança criada na rua
Merece presente que o tempo destrua
Mas sim o presente de um pai de verdade.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Dois dedos de prosa


NA SEARA DO CAPITÃO CAVERNA
Genildo Costa, Cantor e compositor

Um preito de gratidão....!

Não fui muito feliz quando inventei de inventar de ser devoto daqueles que conseguem tocar a vida escrevendo em versos a lida diária. Devo dizer que foi muito prazeroso para mim a oportunidade de estar tão próximo de quem acredita que a vida só é possível quando reinventada. Assim nos ensinou Cecília Meirelles. Poetisa e,acima de tudo, operária da palavra e da arte de escrever. Permaneço atento. Sempre atento e dando conta de minhas limitações. Aqui, acolá apresento sinais de maturidade por esses momentos vividos. Costumo, às vezes, até dá explicações para não ser tão inconsequente e besta.
Até que gostaria de me ver melhor quanto ao trato com a palavra, que agora mesmo se fez sentimento. Que bom seria. O que não consigo é justamente sacrificar os versos que a mim são remetidos, vez em quando. Que seja assim, até enquanto durar a nossa eterna convicção de sempre acreditar na beleza do canto que virá porque o instante existe. Não sei se alegre ou triste, só sei dizer desses raros momentos que nos faz cada vez mais rejuvenescidos. Feliz e cumpridor do dever de deixar, quando possível, muito pouco para uma geração que só estar ensaiando os primeiros passos. Muito embora tenha que sacrificar o sossego da mais singular e sincera amizade.
É como se tudo fosse passagem. E que nessa passagem, é bem provável que não haja tempo  para se completar o mais recente estágio de pulsação de nossas vidas. Apreensivo e calado começo a entender que o ofício de lapidar a pedra bruta haverá de ser sempre compromisso de alguns poucos chamados para encantar-se coletivamente. Olhar-se como o outro que é sempre, minuto a minuto, tocado pelo sentimento de saber onde quer chegar, pois a estrada é longa e o tempo parceiro de todos nós.
Não diria de léguas tiranas. Faria outra vez, e percorreria sem medo o breu de nossos caminhos. Só lamentaria, se tivesse que protocolar tudo que foi dito em meio ao silêncio que possibilitou definir o poeta como aquele que pede tão pouco para evitar sofrer excessivamente.
Claro, que sofremos e fizemos por merecer. Já fez alguns janeiros que o livro da sabedoria popular nos deixou o legado de que primeiro se deve viver que é pra depois poetar. Mais que  isso é conseguir domar a inquietação de quem pouco tem folheado as páginas de nossa literatura brasileira. Se fazer
Literato não deve ser apenas a reprodução na sua completude. Compreendo sim, mas o poder da retórica quero sempre que esteja por  perto como ferramenta de fundamental importância para quem na sua peregrinação deixa saudades e lembranças.
O que fica para os arquivos de nossa memória é, sem dúvida, alguns fragmentos desse aprendizado que ora se converte em páginas de meu diário. E que nunca possa anunciar palavras de despedidas quando há tempo esqueci de morrer porque todos os dias eu morro de saudades......!!!!





segunda-feira, 5 de novembro de 2012

VERBATIM

Rimando com
Hélio Crisanto


Entre flores, tropeços e espinhos
Vou chegando na casa dos quarenta
Nessa estrada longíqua e poeirenta
Vou cantando que nem os passarinhos
Se derrapo nas curvas dos caminhos

Não vacilo e nem perco a compostura
Enfrentando batalhas com bravura
Vou seguindo feliz na caminhada:
A marreta do tempo é tão pesada
Que a balança da vida não segura

domingo, 4 de novembro de 2012

Grandes poetas

Ao coração que sofre
Olavo Bilac

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.

E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Poesia nordestina


Pruquê
Pompilho Diniz

Pruquê tu chora, pruquê?
Pruquê teu peito saluça
e o coração se adibruça
nos abismo do sofrê?
Tu pode me arrespondê?
Pruque tua arma suzinha
pelas estrada caminha
sem aligria mais tê?
Pruque teus óio num vê
e o coração não escuita
no sacrificio da luita
este cunvite a vivê?
Eu te prugunto, pruquê?
pruquê teus pé já sangrando
cuntinua caminhando
pela estrada do sofrê?
Pruquê tua boca só fala
das coisa triste da vida
que muita veiz esquecida
dentro do peito se cala?
quando o amô prefume exala
pruquê tu mata a simente
dessa aligria inucente
que no seu sonho se embala?
Pruquê que teu coração
é cumo um baú trancado
e dento dele guardado
só desespero e afrição
Pruquê num faiz meu irmão
uma limpeza la dento
varrendo cum pensamento
os ispim da mardição?
Pruquê tu véve agarrado
nas asa desse caixão
que carrega a assumbração
desse difunto, o passado?
Se tu já véve cansado,
interra todo o trumento
na cova do isquicimento
pra nunca mais sê lembrado
Despois disso, vem mais eu...
vem uví pelas estrada
o canto da passarada
que em seu peito imudeceu.
escuita a vóz das cascata,
chêra o prefume das mata,
óia os campo, tudo é teu...
Aprende cos passarim
que só tem vóz pra cantá
com o sor que nasce cedim
e vem teu frio esquentá
Oia as estrela...o luá...
mas antes de tú querê
isso tudo arrecebê,
Aprende primeiro a dá.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Palavra por palavra


Ressignificados

Marcos Bezerra, do Novo Jornal


Conta-me o Jovem, colega de trabalho e motorista de pouca rodagem, que a volta para casa na noite de quinta-feira foi assemelhada a um filme de terror. Sem energia e com chuva. Escapei da chuva, que parece ter ficado mais para os lados da valorosa Zona Norte, mas não do blecaute. É estranho dirigir numa cidade às escuras. Nem mesmo vale a pena a vantagem dos semáforos apagados e você na preferencial. Há suspense em cada cruzamento, com todo mundo tentando chegar em casa ao mesmo tempo. 
Busquei, no céu, as estrelas que a iluminação da cidade grande esconde, mas o tempo nublado não ajudou. Nem no principado de Emaús, de frente para meu pedaço de Mata Atlântica. Quando o tempo limpou percebi que era a lua quem apagava as estrelas. Uma floresta prateada na janela de casa... Mas a preocupação era com o desconforto da falta de energia.
Pagamos a conta da modernidade. Como isso ocorre só de vez em quando, já não guardamos na gaveta uma caixa de velas para vencer a escuridão. Muito menos uma lamparina, tão comum na infância apenas remediada da rua Padre Sebastião, em Caicó. 
Como os apagões de antigamente eram diferentes! Viravam um momento especial de conversa, em família ou com os amigos contando as estrelas. Desta feita ficamos sem a muleta do telefone celular, que só fazia ligações de emergência e tinha mais serventia como lanterna. Também não tinha televisão e, o pior dos mundos, nada de internet. 
Foi uma noite mal dormida que o tal Operador Nacional do Sistema Elétrico fica me devendo. A muriçoca que, livre do ventilador de teto, tirava-me o sono também me deve um pouco de sangue. 
Na conta dos devedores ainda vai o Exército, que tem conseguido transformar a simples  construção de uma estrada marginal num transtorno sem tamanho. Não basta construir um muro de seus três metros de altura tampando a vista da Mata do Catre; tem que impedir o acesso à BR para quem pega a bendita marginal. Depois, fazer um recapeamento nas pistas principais no horário de pico. E todos presos no congestionamento que, num efeito cascata, espalhou-se por toda a cidade. 
Para dias estranhos saí de casa com uma camisa velhinha, produção única do artista plástico mossoroense Ney Morais e que há muito tempo não usava. A mulher perguntou se eu estava ressignificando as roupas. Entendi que sim e fiquei bem. Fiquei melhor ainda ao lembrar que não vou ter mais que ver e escutar candidatos prometendo acabar com todos os nossos males. O ressignificado da paz.

sábado, 27 de outubro de 2012

Poesia nordestina



Rua do Inferno
Diniz Vitorino

Numa noite de luar
Sai passeando a esmo
Procurando uma ilusão
Para enganar a mim mesmo
Só tinha casas fechadas
Mas após muitas passadas
Parei numa rua imunda
Antro de eterna descalma
Que causou a minha alma
Repugnância profunda

Era a Rua do Inferno
Refúgio das meretrizes
Abismo repugnante
Das mundanas infelizes
Damas de várias origens
Que foram belas e virgens
Como intactas flores alvas
Mas que ao vício se entregaram
Na podridão se afogaram
Pra nunca mais serem salvas

Pasmei e fiquei estático
Vendo as outras mariposas
Peçonhentas como víboras
Astutas como raposas
Com aspectos pavorosos
Como vampiros gulosos
Sugando a hemoglobina
Dos ébrios cambaleantes
Discípulos horripilantes
Da mesma infernal doutrina

Resmungando como abutres
Os bêbados se deleitavam
Pousando nos ombros magros
Das malucas que dançavam
Ao som das músicas fatídicas
Fotografias verídicas
Das deliciantes valsas
Feitas por maestros rudes
Assassino das virtudes
Reis das alegrias falsas

Outras prostitutas velhas
Que belos anos não tinham
Imploravam com mãos trêmulas
Drinques aos loucos que vinham
Buscando novas corujas
Que eram novas, porém sujas
Como bacias nocivas
Vasos onde os indivíduos
Derramam podres resíduos
De putrefatas salivas

A boca da leviana
É um sarcófago de insetos
Seus seios leitos ocultos
De vermes irrequietos
Os olhos, tochas malignas
Que reinam sombras indignas
De brutos fantasmas críticos
E o ventre? Fábrica do mal
Da confecção brutal
Dos apóstolos favoritos

Ao deixar essas taperas
Com tapetes de mulambos
Porque se Deus os olhasse
Talvez os incendiasse
Desde o piso até as telhas
Pra que essas casas tortas
Não abrissem mais as portas
Pra outras pobres ovelhas

Fica-te aí rua negra
Covil de bestas humanas
Paraíso de larápios
Abrigo de doidivanas
Fica, maldita! Que eu parto
Pra solidão do meu quarto
Onde meus filhos habitam
Vou em busca de outras ruas
Com nojo das casas tuas
E dos loucos que te visitam


sábado, 13 de outubro de 2012

Grandes poetas

Um beijo
Olavo Bilac
Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior...Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!

Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.

Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?

Sinto-te o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto...

Grandes poetisas

Fumo
Florbela Espanca

Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são Outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E é ele, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…

Sabença Proverbializada

"O pau que nasce torto, morre torto".

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Boa prosa


RELICÁRIO
Palavras de sincera gratidão!
Genildo Costa, cantor e compositor

Numa dessas manhãs de céu cinzento tomei a liberdade de olhar, mais de perto, algumas daquelas fotografias que nos remetem medo e temeridade. Mesmo sem ter os cuidados básicos, penso que não fui tão relapso com umas dezenas de retratos que me atormentam e a mim mesmo denunciam.
Não tenho lembranças de todas as trilhas. Obviamente, apenas, me encorajo de tornar público e notório o tamanho de minha devoção para com todos os gestos tão bem postados a cada fotografia que consigo salvar. Não tenho nenhuma dúvida, foram tempos memoráveis. Nem todas estão sob aminha batuta. Devo, ainda hoje, revirar o meu relicário na tentativa de reencontrá-las. Caso isso aconteça, vou ter a felicidade de olhar bem dentro de meus olhos e, certamente, vou ter que enxergar bem no fundo de minhas retinas os primeiros passos ensaiados rumo ao caminho das pedras.
Nada de muito esforço para se ver diante do espelho da vida. Apenas, algumas veredas de sombras podem nos conduzir a uma profunda retomada quanto a nossa posição nesse picadeiro de múltiplas facetas. Nada contra ao imediatismo. Confesso até de minha admiração por aqueles que não comungam com àquela idéia de que nem todo atalho diminui uma distância. Devo manifestar consideração, porque só assim, é possível garantir para a posteridade o mínimo de respeito aos que conseguem divergir de minha maneira de ser frente aos embates do cotidiano.
Mas o que me comove, realmente, é saber que as lágrimas que brotam podem fazer renascer um sonho antigo, desses de um tempo também antigo. Tão velho e desbotado que até se confunde com a nossa coragem, às vezes, de dizer de nossas decepções e desencantos para com o que haveríamos de fazer e não fizemos.
Foi nossa culpa? Creio que não! Lamento a essa altura ter que prosseguir livre, incólume, convicto, já bem próximo da última parada, filtrando o chão ainda de minha terra para buscar a coragem necessária e, assim, seguir viagem rumo ao cais do porto de minha possível redenção.
As máscaras que ora definham são as mesmas que enxerguei a um tempo não muito remoto. Elas foram muito bem lapidadas para servir, evidentemente, ao príncipe que na sua infezação, convoca os seus súditos e cobra compromisso. Sempre lembrando que é dando, que se recebe e que as coisas devem permanecer inalteradas, intactas e bem preservadas. É ai onde o perigo reside... que venha de Heráclito a máxima de que não se toma banho duas vezes com as águas do mesmo rio... tudo passa...!
Cuidar bem dessa seara que serve a alguns poucos e posterga toda e qualquer iniciativa de se fazer, coletivamente, não seduz na totalidade. Por isso é que sempre vai existir no último vagão da locomotiva, minimamente, o sentimento de altruísmo, de se ver mais próximo do outro sem atropelar a construção de um projeto de humanidade onde todos possam ser verdadeiramente, cidadãos de seu mundo e de sua pátria.
Talvez tenha cometido muitos vacilos, mas, na tentativa de acertar, alguns passos, neguei toda e qualquer perspectiva de engajamento que me levasse a ser o mais bem apresentado cidadão da ordem legal. A mim não interessa. O que me move nessa teia de relação de promiscuidade que se estabelece no universo da política é ter a consciência de que mais cedo ou mais tarde a história sabiamente, sepultará sozinha,  algozes  e tiranos de nosso povo.