sábado, 26 de abril de 2014

Poema

O vendedor de Berimbau
Chico Pedrosa

Quando Pedro Malazarte
Resolveu se aposentar
Mandou chamar o juiz
E o escrivão do lugar
E passou o cetro a Cancão,
Caçula de seu irmão
E chefe político em Brasília
E Cancão à maneira sua
Até hoje continua,
Assessorando a família.

Os anões do orçamento
Foram alunos de Cancão
Só saíram de cenário
Quando excederam a lição,
Coisa que jamais um dia
Cancão admitiria,
Era trair seus pupilos,
Ou por eles ser traído,
E hoje bem mais comedido
Cultiva novos estilos

No Vale do São Francisco,
Residia um seu parente,
Comerciante ranzinza,
Pior do que dor de dente,
Sovina que só o cão,
Nunca comprou um tostão,
A vendedor viajante,
Na sua mercearia,
Não entra mercadoria,
Comprada a representante.

Viajante aqui comigo,
Num quero nem pro café,
Quem diz isso é Neco Pança,
Nicolau de Canindé,
Na minha mercearia,
Só entra mercadoria,
Passada por essa mão,
Daqui vendedor num come,
Se num quiser passar fome,
Que arrume outra profissão.

Era assim que Neco Pança,
Tratava representante,
Como em todas as camadas
Existe gente pedante,
Neco não era a exceção,
É a força de expressão,
Por ser desconhecedor,
Que entre a oferta e a procura,
Sempre haverá a figura
E a força do vendedor.

Neco Pança Nicolau,
Vende no seu armazém
Tudo que os outros têm
De santo a colher de pau,
Só não vende berimbau,
Porque não gosta do som
Diz que instrumento bom,
É aquele que nem pia,
Mas tudo acabou no dia
Que apareceu Massilon.

Profissional de vendas,
Traquejador, competente,
Soube que Seu Neco Pança,
Alem de ser prepotente,
Nada comprava de fora,
Massilon disse é agora
Que eu pego o véi Nicolau,
Ou mudo de profissão
Eu só digo que ele é o cão
Se num comprar berimbeu.

Mandou tirar de encomenda,
Dezoito feixes de varas,
Doze centos de cabaças,
Mil e duzentas taquaras,
Comprou arame na praça,
Pra cada vara uma braça,
Mandou descascar os paus,
Preparou os caxixis
E fez do jeito que bem quis
Cem dúzias de berimbaus.

Alugou um caminhão
Levou na carroceria
Chegou guardou na cidade,
Guardou na hospedaria,
Antes de dormir pegou
Dez berimbaus amarrou,
Quando o sol se fez presente
Revisou o mostruário
Esperou dá o horário
E foi visitar o cliente.

Foi chegando e foi dizendo
Bom dia Seu Neco Pança,
Tenho prazer de conhecê-lo
Massilon Nunes de França,
Vim-lhe oferecer um cento
Desse moderno instrumento
Feito na Guiné Bissau,
Porque no vosso armazém
Eu já tô vendo que num tem
O sagrado berimbau.

Nem tem, nem nunca vai ter
Esse troço do capeta
Que aqui só vende o que presta,
E por favor num se meta
Tenha vergonha na cara
E tire esse feixe de vara
Da porta de Neco Pança
Bote esses bicho pra lá
Senão eu chamo jajá
Meus homens de confiança.

Mas Seu Neco esse instrumento
Não dá trabalho vender
É só aprender tocar
E o senhor pode aprender
Que ver segure esse pau
Vá girando o berimbau
E balançando o caxixi
Bata com a vara no arame
Pro senhor ver o enxame
De gente chegar aqui.

Já lhe disse que não quero
E nem estou interessado
Massilon disse desculpe,
Té logo e muito obrigado
Se mudar de opinião
Eu to ali na pensão
De Maria Passa Fome
No oitão da padaria
Em frente à delegacia
No beco do lubisome.

Massilon viu que seu neco
Estava quase ferrado
Quando ele disse não quero
Abriu a guarda coitado
Com seus instintos malinos
Massilon bota os meninos
Pra perturbar Nicolau
E todo instante um ia lá
E dizia o senhor já
Ta vendendo berimbau?

Fizeram uma romaria
Que não tinha mais tamanho
A todo instante um rebanho
De menino aparecia
Moleque entrava e saía
Na maior cara de pau
O pobre de Nicolau
Já tava inchando o gogó
 E a cantiga era uma só
Seu Neco tem berimbau?

Três dias nesse rojão
Seu Neco num aguentou
Perguntou a um menino
Diga quem foi que mandou
Vocês vim me perguntar
Eu já to pra estourar
Calma Seu Neco um momento
É o colégio da gente
Que nos pede urgentemente
Esse belíssimo instrumento

Na nossa escola esse ano
Termina o primeiro grau
Mil e trezentos alunos
E o diretor Bacurau
Acabou de anunciar
Pra todo mundo escutar
Quem não quiser levar pau
Nas provas que vai fazer
Esse ano tem que trazer
Cada qual um berimbau.

Como ninguém tá disposto
A ir até Salvador
Comprar tantos instrumentos
Elegemos o senhor
Para nos oferecer isso
Porem se o compromisso
O senhor não assumir
Não podemos fazer nada
Um de nós de madrugada
A Salvador tem que ir.

Neco Pança disse calma
Também num é assim não
Lembrou-se de massilon
Que estava na pensão
E vendo o lucro que ia ter
Disse eu posso fornecer
O que estão precisando
Até o final do mês
Eu entrego de uma vez
Tudo que estão procurando.

Naquele instante Seu Neco
Que se julgava tão bom
Acabava de cair
No anzol de Massilon
À noite foi à pousada
Comprou a berimbauzada
Que antes não quis comprar
E numa ganância infernal
Comprou o material
Sem nem sequer pechinchar.

E fez questão de receber
Sem conferir o produto
Agasalhou numa sala
E ficou aguardando o fruto
Da grande compra que fez
Um dia, dois, cinco, seis,
Terça, quarta, quinta, sexta,
Até que desconfiou
Disse o cabra me pegou
Também quem manda ser besta.

Nunca mais passou ninguém
Procurando berimbau,
O arame enferrujou
O cupim furou o pau
A cabaça apodreceu
O caxixi se rompeu
O dobrão mudou de cor
A vara ficou mais leve
Pra saber que não se deve
Subestimar vendedor.












quarta-feira, 16 de abril de 2014

Poema Matuto

O DISCURSO DO DEFUNTO
Benoni Conrado e Zé Maria

Meu sinhô, me arrepare
Eu ando mêi disgostôso
Não é por minha pobreza
Que eu nunca fui orguiôso
É porque tenho sofrido
Por via d’eu sê medroso

Um dia, me arresorvi
Saí lá donde eu vivia
Pra dá u’as riviravorta
Por onde eu não cunhecia

Pensei logo cá cumigo:
Eu sô um rapaz sortêro
Ta certo, sô mêi feioso
Não sei lê nem tem dinhêro

Mas quem sabe se eu saindo
Dos diabo dessas biboca
Num arranjo inté u’a nêga
Pra tirá minhas caroca

Botei as roupa num saco
Às quatro da madrugada
Me arrecumendei aos santo
E prantei os pé na estrada

Só sei que dessa isquipada
Eu andei uns quinze dia
Mas só no rumo da venta
Sem sabê pra donde ia

Inté que um dia, de tarde
Eu atravessei um rio
Num ia pensando em medo
Mas me deu uns arrepio

Aí foi que eu ispiêi
Achei tudo assim deserto
Cunhecí que ali num tinha
Uma só casa por perto

Por via de num tê casa
Pro mode eu apernoitá
Vi u’a arve infoiada
Maginei: Se eu me atrepá
Sei que é mêi desajeitôso
Mas dá pra me agasaiá

Subi na arve e fiquei
Ta certo que eu não drumia
Mas tava bem iscundido
Porque os gái me cobria
Se passasse argum viviente
De jeito nenhum me via

Mas meu sinhô, quando foi
Mais ou menos doze hora
Eu ouvi uns alarido
Cuma quem canta ou quem chora

Eu arregalei os oi
E avistei u’a multidão
De gente com as voz rouca
Tudo de vela na mão
Eu maginei: é as alma
Fazendo uma procissão

Na frente, avistei um pade
Cum a image do Sinhô
Um sacristão com água benta
Mas ninguém trazia andô

Nesta hora eu respirei
Fiquei todo arripiado
Dispois notei que eles vinham
Caminhando pro meu lado

Bateu-me um medo tão grande
Que eu quage inté me afroxava
Quando eu vi que uns apontavam
Pra dita arve que eu tava

Quando chegaram debaixo
Era dez pessoas ou mais
Uns preguntaram pros outro:
E agora, o que é que se faz?
Um respondeu: é subir
Pra ir buscar o rapaz

Quando eu vi essas palavra
Peguei logo a me tremê
Mas mermo assim: maginei:
Eu num tenho que perdê
Respondi, batendo os dente:
Dêxe, eu mermo vou descê...

Ah, meu sinhô, me acredite
Eu falei mêi arrastado
Mas pode crê, nessa hora
Foi fê o ispatifado

O pade se assombrou
Jogou o santo no chão
O pobre do sacristão
No pade se pindurou

Uma veia inda gritou:
Joga água benta pra trás
Cada qual corria mais
Soltaram a image do Cristo
Parece que tinham visto
Careta do satanás

Eu, vendo aquele istrupiço
Pulei ligêro no chão
Saí correndo também
Mas em outra direção

Na frente eu parei pensando:
Ora essa, tava ruim
Era eu com medo deles
Eles com medo de mim

Dispois que o dia amanheceu
Eu vortei no mesmo canto
Pra vê qual era o motivo
Daquele tão grande espanto

Pois né que de longe eu vi
Um home dipindurado
Bem pertinho donde eu tava
Tinha morrido enforcado

Nessa hora eu compreendi
Qual era o sinificado
O povo vinha buscá
O home suicidado

E quando viram eu falá
Dizendo que ia descer
Pensaram que era o defunto
Danaram a égua a correr

Quando eu cheguei na cidade
Ninguém via outro assunto
Todo mundo só falava
No discurso do defunto

As históra sempre aumenta
Uns dizia: é verdade
O morto falou nas guerra
Nos viço e nas vaidade
No mundo que se arrivira
E quem pensá que é mentira
É só preguntá ao pade

Eu inda fui na eguage
De dizê o que passô
Mas fui descreditado
Ninguém me acreditou

Uns cabôco inda disseram
Esse cabra é mentiroso
Quer se metê nas históra
Pra dizê que é corajoso

Vamos dar-lhe umas esfrega

Quando eu vi esses cuchicho
Lasquei os pé na carrêra
Mas dispois fiz por capricho

Maginando no castigo
Nunca mais contei históra
Voltei prás minha biboca
Porque lá tô sem perigo

E quem tiver qualquer segredo
Pode me contá sem medo
Que eu me lasco, mas não digo


Poema

Cantiga para não morrer
Ferreira Gullar

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.