terça-feira, 5 de agosto de 2014

Crônica

Naquele tempo.
Zenóbio Oliveira

Hoje eu me peguei a lembrar de coisas idas. Fechei os olhos e vi meu pai, Antonio Oliveira, Chico de Panta, Sotero e meus tios Tião e Raimundo Carlos tratando de amenidades na prosa vespertina à sombra da tamarindeira. A abstração lembrançosa me fez vislumbrar aquela cena, pouco e pouco se materializando em aquarela viva nos recônditos da minha memória.
Aí eu tive saudades daquele pé de tamarinda; aí eu tive saudades lá das Aguilhadas; aí eu tive saudades de tudo que vivi por lá.
Como era bom roubar mangas no cercado de Zé Cardozo, desafiando a vigilância de Chaga Bengo-bengo. Como era divertido fazer aquela rima capciosa toda vez que Geraldo Genuíno passava naquela carroça azul e branca, imitar a Siricóia para amuar Cássio de Zé Evaristo, enticar Pissica de Zé jacinto e rir escondido daquela mancha nos lábios de Severino Boca Preta.
Ah como era bom desafiar a vaca Surubinha de Pantaleão, na descida do bebedouro, e escapar fedendo de sua valentia.
Como sinto falta disso...
E dos meus domingos, quando ia à feira só pra comer cocorote na banca de Luzanira e banana casca verde lá em Antonia Boi?
Sinto falta das caronas no Jipe de Zé Cota, de adormecer as pernas, sentado de mau jeito no varão da Merk Suisse lá de casa e do sacolejado da carroça de Anélio no galope desembestado do boi Bem Feito.
Queria me admirar de novo ouvindo a conversa atoleimada de Xoxó sobre o descobrimento do Brasil e dar risadas de suas presepadas, como aquela de chamar de águias um bando de urubus novos, sob os comentários sarcásticos de Carlúcio e Alberto de prefeito.
Queria me assustar outra vez com a visagem do padre na Serra de Abdias e correr na ponta dos pés pra me livrar das oiticicas mal assombradas na passagem de Mané Zacarias.
Ainda sinto na boca o gosto do café de trempe, do pirão de sabaru, do chibéu de fuba com água, ainda sinto no paladar da alma o doce sabor da infância.
Ai quem me dera ter agora o meu pião de pereiro, meu corrupio de caco de cuia, minha roladeira de lata, meu cavalo de talo de carnaúba, minha baladeira de câmara de avião.
Queria poder pescar de anzol sentado nas raízes da oiticica de tio Genésio, jogar mata-sete na correnteza barrenta pra pegar cangati. Queria poder pastorar arroz espantando os xexéus a poder de funda, aguar os canteiros de alho toda manhã e depois pular de ponta lá de cima da Pedra Grande até encarnar o branco dos olhos.


Vocês que me desculpem a falta de conexão nos fatos expostos, mas é a saudade empurrando lembranças amontoadas pensamento abaixo, abalroando emoções dormidas, que não podem mais serem catalogadas. São espécies de recordações anacrônicas salpicando nostalgias pueris nesse meu coração sertanejo, alegre e plangente a um só tempo, enlevado pelas lembranças de um passado quase sublime, mas lastimoso pela crua realidade de um presente de melancolias.

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