sexta-feira, 8 de abril de 2011

Opinião


O jornalismo e a cobertura de tragédias

Um acontecimento trágico no dia do jornalismo, em uma escola do Rio de Janeiro, poderia muito bem servir como instrumento de análise nos bancos acadêmicos dos cursos de Comunicação Social. Não o fato em si, este só pode mesmo é ser lamentado por todos nós, mas a forma de cobertura realizada pela mídia brasileira.
Os apresentadores espetaculosos, com suas vozes impostadas, imprimem cada qual, seu estilo dramático ao acontecido. Um, chega a dizer que fatos desse tipo são comuns no Oriente Médio, outro, que o governo precisa colocar detectores de metais nas escolas. Um, diz que o atirador deu mais de cem tiros, outro, com peculiar empáfia, exige o controle de armas e o combate ao tráfico de drogas por parte das autoridades.
As emissoras de TV transferem o estúdio para o cenário da tragédia e trazem seus especialistas: em segurança, em educação, em saúde, em psiquiatria, em psicologia, em redes sociais, em internet, em direito civil e penal, em criminologia e o escambau. Aí começam a discernir sobre o perfil do autor do massacre. Era introspectivo, era anti-social, era filho adotivo, o pai e a mãe tinham morrido quando ele era criança, era extremista islâmico, era viciado em internet, era portador do HIV, era psicopata, era assassino em massa, era vítima de bullyng e por aí vai. Uma sucessão de conjeturas para buscar o motivo do jovem para o atentado. A ponderação do imponderável.  
Os repórteres espalhados por todos os lados vão dimensionando a tragédia. “Os tiros foram desferidos na face e no tórax das crianças... o atirador tinha experiência profissional com armas... encostou o revólver na cabeça da menina e atirou... os rostos das vítimas ficaram deformados...
Num segundo momento, levam a frente das câmeras os estudantes sobreviventes, crianças e adolescentes, para que narrem, com riqueza de detalhes, o momento da morte dos colegas e os instantes de pânico e apreensão por que passaram.
Depois trazem à tela uma espécie de imagens testemunhais dos celulares anônimos e das câmeras de monitoramento.
A história está quase pronta, mas falta algo para equivaler o real ao espetáculo das grandes tragédias cênicas. É preciso identificar o herói que deu cabo do vilão e assim é feito. Agora sim, a história está completa para ser contada pela edição caprichada dos acontecimentos.
Neste contexto a mídia, principalmente a televisiva, confere à tragédia real todos os aspectos da tragédia estética, provocando um efeito purificador nos sentimentos de temor e compaixão do individuo diante do acontecimento trágico. É o que Aristóteles denominou de catarse. Não foi comigo, estou aliviado. A espetacularização da imagem combinada à narrativa dramática dos fatos mistura realidade e ficção de tal forma que faz com que o telespectador aporte, catártico, num mundo ficcional e, isento de culpas, sinta até prazer ao apreciar a desgraça alheia, numa espécie de estética do trágico.
Diante da cobertura de todos os acontecimentos trágicos que temos vivenciado ultimamente, é necessário um debate amplo em nossas universidades e principalmente nos cursos de Comunicação Social sobre o papel do jornalismo numa sociedade marcada pela sedução dos valores estéticos e extremamente consumista. É preciso entender o jornalismo como um meio de abordagem e interpretação da realidade, direcionado essencialmente às questões da sociedade como um todo, já que individualizado torna-se nada mais, nada menos que uma mercadoria a ser consumida.

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