sábado, 3 de março de 2012

VERBO AD VERBUM

Pensando assim...
Zenóbio Oliveira

Na seção dos cereais, ensimesmado em meio ao burburinho monótono do supermercado, reclamei do preço da farinha. Era pra ser somente uma reflexão, mas o pensamento ganhou forma, escapuliu da abstração e precipitou-se goela afora:
 __ A farinha ta muito cara!
Nesse momento o tato de uma mão firme em meu ombro arrastou-me à realidade e colocou-me defronte com a argumentação segura e convicta de uma senhora que passou a justificar a carestia do produto. Disse-me que era compreensivo ter o preço que tinha, frente à dificuldade de sua confecção e foi esmiuçando as etapas do processo, desde o plantio da mandioca até a sua chegada às gôndolas do estabelecimento comercial.
__ Dá muito trabalho pra fazer, meu filho!
Peguei a ver, num compacto de lembranças, Seu Benigno, com uma corriola de filhos e netos, ora plantando, ora arrancando a mandioca lá no roçado da Gangorrinha. No filme das minhas reminiscências era possível até escutar o tropel dos jegues ligeiros, levando o produto nos caçuás para a desmancha e o reco-reco das quicés das senhoras raspando as batatas na farinhada. A moagem, a prensa. Vi o suor de Zé Cassaco escorrendo aos borbotões, enquanto manipulava o rodo, espalhando a massa na bandeja do forno em brasa. É, dá mesmo um trabalhão. Tive ciência disso.
Olhei dentro do carrinho e imediatamente atribui equivalência de custo ao feijão, ao arroz, à massa de cuscuz e ao óleo vegetal.
Quando cheguei à fila da carne, idealizei na memória todas as fases do processo de criação de gado. Do nascimento do bezerro ao seu ponto de corte. Numa espécie de auto-afirmação e de estímulo à minha própria convicção, meu subconsciente ainda escancarou a porteira do curral e soltou todo o rebanho, só pra dificultar a empreitada. De repente abriu-se outra tela na parede das minhas lembranças, na qual vaqueiros destemidos metiam-se mata adentro, deixando pedaços da pele pendurados nas unhas afiadas da jurema, para recapturar as reses em disparada.
É. Dá mesmo um trabalhão. Tive ciência disso e até achei pouco os quatorze e noventa e nove que paguei por um quilo de coxão duro.

2 comentários:

  1. Belo texto amigo Zenóbio... Essa reflexão não deixa de ser a mais pura verdade... Os verdadeiros heróis que cultivam ou que cuidam do gado, esses são realmente esquecidos em sua labuta diária. Parabéns e sucesso, grande poeta.

    Gonzaga Filho
    http://celeirodetalentos.blogspot.com

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    1. Obrigado amigo e belo trabalho em seu site.
      Sucesso e um abraço!

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