sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Opinião

A cor do Brasil
            O racismo é um assunto que se manteve historicamente polêmico e que ainda hoje permanece tema de debates em nossa sociedade. Para uma análise mais profunda dessa questão vamos partir de dois pontos chaves: o preconceito e a democracia raciais. Antes, porem de adentrarmos no cerne desse tema, precisamos levantar alguns acontecimentos que marcaram a história da formação do povo brasileiro.
O nosso povo teve sua formação fundamentada em três bases étnicas continentais: uma européia especificada nos portugueses colonizadores, os brancos, outra africana formada pelos negros trazidos para servir de mão de obra escrava e a terceira, a dos índios nativos. O processo formativo se deu por entrechoques classistas, raciais e principalmente interétnicos, que envolveram esses três contingentes – índios, brancos e negros – de forma extremamente conflituosa. Todos esses conflitos, que se configuraram como força motora da história e da organização social brasileiras, culminaram na supremacia dos brancos e conseqüentemente na subjugação de índios e negros.
O intenso contato étnico entre essas três matrizes originais possibilitou a aculturação e os cruzamentos inter-raciais. Uma espécie de caldeamento que misturou índios, negros e brancos, desde o período da colonização, e que resultou numa miscigenação da cultura brasileira. Podemos apontar como resultado desses cruzamentos inter-raciais o caboclo, mistura do branco com o índio, o mulato, mistura do branco com o negro e cafuzo, do negro com o índio. A partir daí, dessa mistura de etnias, é que surgiu a idéia de que o mestiço, produto desse caldeamento, fosse o elemento constitutivo da identidade nacional brasileira.
Essa miscigenação garantiria naturalmente uma unidade para nossa raça, que, composta por mestiços, teria necessariamente igualdade social e jurídica, a chamada democracia racial, consolidada, no Brasil, na década de 1930. A coisa, porem, não é bem assim e aqui compactuamos com o pensamento do sociólogo Ronaldo Sales, da Fundação Joaquim Nabuco, quando este diz que “a miscigenação não conduz à democracia racial porque, na prática, não cria uma categoria homogênea de mestiços, mas, sim, uma hierarquia de subcategorias pela qual quanto mais perto um indivíduo estiver da ‘matriz branca’, maiores são suas chances de inclusão social”.
A bem da verdade, o mito da democracia racial foi construído sobre uma integração subordinada, de maneira progressiva pela abolição da escravatura, pela proclamação da república e pela revolução de 30, como forma de calar os movimentos de luta negros. Atualmente este mito se manifesta nas formas de tratamento – afro-descendente. Nossa sociedade foi conduzida ao regime de cordialidade racial, o chamado regime assimilacionista, em que o negro vai perdendo sua identidade, já que sua negritude se dilui na “branquização” gradativa.
A discriminação racial saiu do geral para o particular. O racismo passou a ser entendido como preconceito isolado. Mas basta que um negro ascenda à classe social superior, como o novo emergente, o preconceito até então latente se manifesta e logo se diz: ele está aqui, mas não é um de nós! isso porque o negro foi estigmatizado pelo estereótipo racial. Se for negro é pobre ou marginal. Lembro de uma história que ouvi de um amigo, quando este dizia que seu pai ao ver um repórter negro na televisão sempre dizia: “olhe aí um negrinho que se deu bem na vida”!  E aí, voltamos ao Ronaldo Sales, quando este afirma que “o estereótipo define, assim, um conjunto de expectativas socialmente estabelecidas e que visam à definição de situações cotidianas”. É o que ele chama de demarcação racial. Isso faz parte de uma competência social, e essa demarcação até pode ser corrigida, no entanto a correção que se é feita em relação às pessoas negras, aponta para uma quebra de expectativa individual, classificando o negro que transpõe o estereótipo como uma exceção: Negro que venceu, negro bem sucedido... são negros de alma branca.
Tudo isso promove a criação de estamentos sociais onde o preconceito se estabelece, impossibilitando a equidade racial, a implantação da justiça e a consolidação da cidadania. A democracia racial até seria possível, mas como bem avalia Darcy Ribeiro, isso só ocorrerá com uma democracia social. Ou há democracia para todos ou não há para ninguém.
Se pensássemos raça pelo seu conceito científico teríamos uma postura democrática verdadeira, porque a ciência classifica raça como espécie, categoria, sem, contudo, atribuir-lhe distinções biológicas e/ou morfológicas. Dizendo de outra forma, raça nada mais é que a condição humana. O que existe é uma classificação cultural que hierarquiza as raças em superiores e inferiores. Em nossa sociedade, infelizmente para negros, índios, pobres, homossexuais, os valores da nossa cultura não traduzem integralmente as idéias da nossa ciência.

                                                                                                                                         Zenóbio Oliveira

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